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O consumo per capta de bebidas alcoólicas caiu na Austrália após o governo ter aconselhado as pessoas a beber menos em 2009

Durante décadas, produtores de cerveja, vinho e destilados foram ajudados pela noção, embutida em uma série de conselhos nutricionais de governos, de que um pouco de álcool pode gerar modestos benefícios para o coração e a saúde em geral.

Agora, essas recomendações estão mudando rapidamente em face de novas pesquisas que associam o consumo de álcool a possíveis riscos de câncer e que estão levando autoridades de saúde do mundo todo a rever suas posições.

A mudança está pressionando a indústria de bebidas alcóolicas em alguns de seus maiores mercados, incluindo Estados Unidos, Reino Unido e Rússia. E a resposta do setor está se mostrando tão dispendiosa e abrangente quanto a ameaça antevista, incluindo ataques aos defensores de pesquisas desfavoráveis a bebidas alcóolicas e colaborações com governos na formulação de políticas. As empresas de bebidas também estão financiando seus próprios estudos, como um projeto em que quatro firmas vão disponibilizar dezenas de milhões de dólares para custear um estudo rigoroso.

“Não podemos deixá-los ganhar força”, disse Jim McGreevy, presidente do Instituto da Cerveja, grupo que representa o setor nos Estados Unidos, durante uma conferência com executivos de cervejarias realizada em abril, referindo-se aos críticos do álcool.

Em janeiro, o Reino Unido alterou uma recomendação de 20 anos que dizia que beber moderadamente poderia beneficiar o coração, substituindo-a por outra que afirma que os benefícios são menores do que se acreditava antes. O governo britânico também publicou novas orientações informando que o álcool eleva o risco de certos tipos de câncer.

“Não há nível seguro para beber”, disse Sally Davies, a mais alta assessora do governo para políticas de saúde no Reino Unido, a uma rede de TV do país.

Também em janeiro, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA retirou de suas orientações o trecho que afirmava que beber moderadamente poderia reduzir o risco de doenças cardíacas em algumas pessoas. A porta-voz do departamento disse que são necessárias mais análises “para melhor entender as consequências para a saúde que podem ou não estar associadas ao consumo moderado de álcool”.

A ameaça à indústria de bebidas alcoólicas não é tão acentuada como a enfrentada pela de cigarros, cujo consumo caiu devido às rápidas mudanças de atitudes do público e às políticas dos governos, depois que foi determinado que fumar causa câncer de pulmão, doenças cardíacas e outros problemas.

Ainda assim, as recomendações de governos sobre álcool podem fazer a diferença. A cervejaria belgo-brasileira Anheuser-Busch InBev NV, por exemplo, agora inclui em sua declaração de riscos de negócios que a Organização Mundial de Saúde pretende reduzir em 10% o uso nocivo de bebidas alcoólicas.

O consumo per capta de bebidas alcoólicas caiu na Austrália após o governo ter aconselhado as pessoas a beber menos em 2009, recuando de 10,6 litros para 9,7 litros por ano. No Estado americano de Maryland, as vendas de destilados, vinho e cerveja diminuíram depois de um aumento de impostos, em 2011. Na Rússia, as vendas despencaram em mais de 20% num período de alguns anos diante de medidas do governo para reprimir o consumo, depois que um relatório da OMC divulgado em 2010 apontou o álcool como causador de vários problemas de saúde.

O quase consenso que beneficiou o setor até recentemente — de que beber moderadamente podia ser bom para a saúde — remonta a pesquisas feitas 40 anos atrás por um cardiologista da Califórnia chamado Arthur Klatsky, que investigou os efeitos do estilo de vida na saúde cardiovascular. Para sua surpresa, ele concluiu que quem bebia moderadamente tinha menos enfartes que os abstêmios e um risco estatisticamente menor de morrer de doenças coronárias.

Em 1995, o Departamento de Saúde dos EUA introduziu a orientação de que beber moderadamente estava associado com um risco menor de doenças coronárias em algumas pessoas. Agora, novas pesquisas estão subvertendo esse consenso.

Um dos primeiros sinais de mudança veio quando a OMS decidiu criar uma nova política de álcool, há quase dez anos. O foco foi “o fardo global das doenças” e a avaliação de um amplo leque de possíveis efeitos, inclusive indiretos, como taxas de acidentes e infecções.

O relatório da OMS divulgado em 2010 afirmou que “o uso prejudicial de álcool contribui significativamente” para algumas doenças, como diabetes, e sugeriu que os governos taxassem as bebidas para reduzir o consumo. Mais recentemente, autoridades de saúde têm se concentrado em estudos que associam o consumo moderado a um risco maior de certas formas de câncer.

Ao revisar suas orientações, o Reino Unido afirmou que a análise das pesquisas concluiu que “o risco de desenvolver uma série de doenças (como câncer de boca, garganta e mama) aumenta” com qualquer quantidade de bebida alcóolica consumida regularmente.

As novas recomendações do governo britânico não negam os benefícios do álcool para o coração, mas afirmam que eles “são menores e se aplicam a um grupo menor da população do que estimado anteriormente”, possivelmente reduzindo os riscos de morte apenas em mulheres com mais de 55 anos.

A fabricante britânica de destilados Diageo PLC, que está às voltas com um projeto de lei na Irlanda que pode restringir a propaganda de bebidas e estabelecer preços mínimos e alertas nos rótulos, financiou um grupo, o “Pare de beber sem controle”, que defende o consumo moderado de bebidas alcoólicas. O grupo se tornou foco de controvérsia depois que o envolvimento da Diageo foi divulgado. A lei irlandesa continua em discussão.

Na Escócia, a Diageo apoiou uma batalha jurídica liderada pela Associação do Uísque Escocês e por produtores europeus de vinho que querem impedir uma lei que fixa preços mínimos para bebidas alcoólicas. A lei aguarda uma decisão final da Justiça escocesa.

Já a AB InBev lançou, no ano passado, um programa cujo objetivo é abordar as preocupações levantadas pela OMS e reduzir o uso de álcool em 10% em seis cidades no período de dez anos. A AB InBev recentemente lançou a Budweiser sem álcool no Canadá e pretende que, no máximo até 2025, marcas sem ou com baixo teor de álcool respondam por 20% do volume total das bebidas que produz.

A AB InBev e a Diageo estão se unindo às rivais Heineken NV e Pernod Ricard SA na alocação de US$ 55,4 milhões para financiar o primeiro experimento aleatório de avaliação dos efeitos do álcool na saúde. O estudo será supervisionado pelo Instituto Nacional de Abuso de Álcool e Alcoolismo dos EUA.

 

Por JUSTIN SCHECK e TRIPP MICKLE

(Colaborou Saabira Chaudhuri.)

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