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Noções de neuroanatomia e neurofisiologia

Noções de neuroanatomia e neurofisiologia

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O encéfalo humano é uma rede de mais de 100 bilhões de neurônios interconectados em sistemas que constroem nossa percepção sobre o mundo externo, fixam nossa atenção e controlam o mecanismo de nossas ações. A primeira etapa para se compreender a mente consiste portanto em aprender como os neurônios estão localizados em vias de sinalização e como eles se comunicam através da transmissão sináptica.

A especificidade das conexões sinápticas estabelecida durante o desenvolvimento é a base da percepção, ação, emoção e aprendizagem

Como os genes contribuem para o comportamento? O comportamento não é herdado, o que é herdado é o DNA. Os genes codificam as proteínas que são importantes para o desenvolvimento e para a regulação dos circuitos neurais, que são a base do comportamento.

 

O princípio de localização: cada área do SNC tem uma função específica. Mas, atenção! Não existe uma área da linguagem, outra do amor, outra da memória. Os processos complexos são divididos em partes. Por exemplo a linguagem é composta pela compreensão, expressão, melodia, etc. Com isto cada área estará relacionada a um aspecto da linguagem e é preciso que elas trabalhem simultaneamente e estejam interligadas (conectividade).

 

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Wernicke descobriu que existe uma organização modular da linguagem no cérebro, constituída de centros de processamento em série e em paralelo com funções mais ou menos independentes, agora reconhecemos que todas as habilidades cognitivas resultam da interação de muitos mecanismos de processamento simples distribuídos em diversas regiões do cérebro. Assim as regiões do cérebro não estão relacionadas com faculdades mentais, mas com operações de processamento elementares.

 

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A lesão de uma única área pode não resultar na perda total de uma faculdade. Mesmo que um comportamento desapareça no início, ele pode retornar parcialmente assim que as partes ilesas do cérebro reorganizem as suas conexões (neuroplasticidade).

Assim não é conveniente representar processos mentais como uma série de ligações em cadeia, porque em tais arranjos o processo entra em colapso quando uma única ligação é quebrada. A comparação melhor e mais realista é pensar nos processos mentais como várias linhas de trem que desembocam num mesmo terminal. Se houver um bloqueio na estação São Joaquim, a sua comunicação com a praça da Sé ficará interrompida, mas seria então possível criar uma nova linha que unisse diretamente a Praça da Sé à Estação Vergueiro. Deste modo, um problema em uma única ligação na via afeta as informações levadas por ela mas não necessariamente interfere de forma permanente no sistema. As partes restantes do sistema podem sofrer modificações para acomodar o tráfego extra depois do colapso de uma linha.

Todas as funções mentais são divididas em subfunções. Mesmo a tarefa mais simples (piscar voluntariamente) requer a ativação de áreas distintas (conectividade).

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redes neurais: áreas que trabalham juntas-com depolarização simultânea.

 

Hoje é possível relacionar a dinâmica molecular de células nervosas individuais às representações de atos motores e perceptuais no encéfalo e então, relacionar tais mecanismos internos a um comportamento observável. As novas técnicas de imagem permitem-nos ver o cérebro humano em ação- identificar regiões específicas do encéfalo associadas a modos particulares de pensamentos e sentimentos.

Princípios de divisão do sistema nervoso:

 

  1. Divisão anatômica:
  1. Sistema nervoso central- estruturas contidas no neuroeixo dentro da coluna vertebral e do crânio
  2. Sistema nervoso periférico- nervos espinhais, gânglios e receptores/terminações nervosas
  •  Encéfalo
  • medula espinhal

 

O encéfalo por sua vez  se divide em:

    • Tronco encefálico (bulbo, ponte e mesencéfalo)
    • Cerebelo
    • Cérebro (telencéfalo e diencéfalo)

 

O diencéfalo fica ao redor do terceiro ventrículo e é  todo encoberto pelo telencéfalo, sendo apenas visível em cortes sagital, coronal ou transversal. É formado pelo

  • Tálamo
  • Hipotálamo
  • Subtálamo
  • Epitálamo

 

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  1. Divisão funcional:
  1. Sistema nervoso de vida de relação: associado a interações do organismo com o meio (motricidade, percepção, integração, cognição). É composto por fibras aferentes ( que levam informações do meio) e fibras eferentes, que inervam os músculos estriados.
  2. Sistema nervoso autônomo: relacionado à manutenção da homeostase, ou seja do equilíbrio interno físico-químico do organismo para a sua sobrevivência, regulando então a manutenção da temperatura, da sede, do apetite, do funcionamento das vísceras (digestão, freqüência cardíaca e respiratória, etc). Divide-se em
    • vias aferentes : que trazem a informação para o SNC (Ex: receptores da parede da artéria carótida que detectam variações da pressão arterial e da concentração de CO2

e que enviam através de fibras nervosas aferentes esta informação para o SNC, desencadeando então mecanismos de compensação para manutenção da homeostase)

 

  • vias eferentes: SNA simpático e parassimpático, que compõem dois sistemas de fibras que inervam as vísceras, tendo ações antagônicas.

 

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III. Divisão metamérica:

  1. SN segmentar:  são as estruturas do SN, em que há uma correspondência anatômica entre os seus segmentos e os segmentos do corpo. São  todo o sistema nervoso periférico, a medula espinhal e o tronco encefálico.
  2. SN supra-segmentar, composto pelo cérebro e o cerebelo. Estas estruturas não podem ser divididas em segmentos, cada qual para uma região do corpo.

 

Princípio de hierarquia: as áreas “de cima” (cérebro) mandam, controlam, inibem/ ativam, modulam as áreas “de baixo” (tronco encefálico e medula). Só que não é tão simples assim, pois trata-se de circuitos paralelos e concomitantes que se interconectam, mas onde cada um faz uma parte do todo.

 

Percepção: Existem diferentes receptores para diferentes modalidades de sensação: quimio-, mecano, termo-, nociceptores, além dos receptores eletromagnéticos da visão.

O mecanismo de transmissão da percepção se dá através da despolarização da célula do receptor. Então estas células são, assim como os neurônios, polarizadas, podendo mudar a sua polaridade com o estímulo.

O estímulo causa uma mudança na membrana da célula, que muda a sua permeabilidade para determinados íons, o que eleva a sua voltagem (fica mais positiva no seu interior) até um limiar mínimo que desencadeia o potencial de ação, levando a mensagem pelas fibras nervosas até o SNC.

O potencial de ação ou é desencadeado, ou não (tudo ou nada). Ele só será desencadeado se o estímulo for forte suficiente para mudar tanto a permeabilidade da membrana a ponto de levar a um valor de positividade que ultrapasse o limiar para o potencial de ação.

Mas então como posso sentir um estímulo (por exemplo, pressão) mais fraco ou mais forte, se o potencial de ação é tudo ou nada?

Isto acontece porque quanto mais forte o estímulo, maior o número de receptores que ele irá despolarizar (somação espacial). Também existe a somação temporal, de forma que se o receptor recebe estímulos repetidas vezes, quanto maior a frequência, maior a intensidade percebida, porque o receptor então se despolariza repetitivamente e vai mandando potenciais de ação um atrás do outro.

 

É importante saber que existem:

  • fibras de transmissão rápida- ricas em mielina, que é uma substância gordurosa que encapa as fibras nervosas. Quanto mais mielina, mais grossa a fibra e mais rápida a sua transmissão. Conduzem informações mais precisas, melhor localizadas, como o tato discriminativo (se é agulha ou ponta cega; se são um ou dois pontos na pele), vibração, informações dos fusos neuromusculares e dos receptores neurotendíneos.
  • Fibras de transmissão lenta. São finas, sendo pouco mielinizadas ou amielínicas. Transmitem a dor, a sensação de cócegas, a pressão e o tato grosseiro.

 

Como o cérebro consegue saber se é dor, ou tato, ou vibração se tudo vem em forma de potencial de ação?

 

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A razão é que cada receptor, que só se despolariza com um estímulo específico está conectado com uma fibra nervosa que segue um caminho próprio, indo parar na área do cérebro feita para interpretar só este tipo de mensagem. Assim a sensação de vibração, por exemplo, é levada por fibras que sobem pela parte de trás da medula (funículo posterior), fazem sinapse com núcleos no bulbo, cruzam para o lado oposto e chegam a um núcleo específico no tálamo contralateral, lá fazem nova sinapse e vão para o córtex cerebral no giro pós-central. Este giro, por sua vez, está todo dividido. Cada pilar seu (coluna) responde a uma modalidade de sensação em uma determinada região do corpo. Então sempre que esta determinada coluna for estimulada, a pessoa irá interpretar com derivando de um estímulo específico para esta região.

Penfield foi um neurocirurgião que estimulou com eletrodos diferentes áreas do córtex de pacientes. Percebeu então que cada área provocava uma sensação em uma região diferente. Então havia uma representação de diferentes áreas do corpo no córtex. Isto é chamado de somatotopia.

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Diferentes áreas do SNC tem uma reprensentação somatotópica própria, não só áreas do córtex. Assim, por exemplo, no corno anterior da substãncia cinzenta da medula os motoneurônios da porção mais medial inervam a musculatura axial (tronco, paravertebral) e os da porção mais lateral a musculatura dos membros.

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Motricidade:

 

O movimento:

Nossos sistemas sensórios formam representações internas de nossos corpos e do mundo exterior. Uma das principais funções destas representações internas é orientar o movimento. Mesmo uma informação simples como alcançar um copo de água exige informação visual para estabelecer uma representação interna da localização espacial do copo. Ela requer também informação proprioceptiva para formar uma representação interna do corpo de modo que comandos motores adequados possam ser enviados ao membro superior. A ação voluntária somente é possível porque as partes que controlam o movimento têm acesso à corrente contínua de informação sensorial do cérebro. A ação integrativa do sistema nervoso- a decisão de executar um movimento e não um outro depende da interação entre os sistemas motoes e sensoriais.

Os sistemas motores são organizados numa hierarquia funcional, com cada um dos níveis envolvidos em diferentes decisões.

 

Reflexos são padrões involuntários, coordenados, de contração e relaxamento musculares desencadeados por estímulos periféricos.

Reflexo miotático: é a resposta de contração do músculo, quando este é estirado bruscamente. Trata-se de um circuito monosinaptico, ou seja, há uma via aferente de entrada de informação no SNC (medula), uma sinapse e a via eferente que executa a contração. Por isso é chamado de reflexo monossináptico. É a forma mais simples de circuito neural, pois envolve apenas dois neurônios.

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reflexo miotático

É também um reflexo intrasegmentar, ou seja, envolve um segmento da medula (um andar).

O estiramento rápido do músculo produzido através da percussão do tendão com o martelo de reflexos estimula receptores intramusculares (fusos neuromusculares). São gerados impulsos que trafegam com grande velocidade por fibras nervosas grossas e bastante mielinizadas. Estas entram pela raiz dorsal do respectivo nervo espinhal e já se conectam (fazem sinapse) com o motoneurônio anterior do mesmo segmento medular. A estimulação dos motoneurõnios provoca contração do músculo estirado. Ao mesmo tempo são estimulados interneurônios (células de Renshaw) que inibem motoneurônios destinados a músculos antagonistas (aqueles que realizam o movimento oposto) e interneurônios que excitam os motoneurônios destinados aos músculos agonistas.

O reflexo de estiramento é parte do exame neurológico e mostra o grau de facilitação deste circuito medular, quer dizer, a medula é capaz de realizar sozinha o reflexo, mas a intensidade da resposta de contração muscular é modulada por vias do tronco encefálico (hierarquia). No entanto este mecanismo de resposta muscular a partir de uma informação sobre o grau e a velocidade de encurtamento do músculo acontece continuamente. A medula está sendo em todos os seus segmentos o tempo todo informada e reagindo com uma resposta de mais ou de menos contração muscular com a intenção de manter o comprimento do músculo.

 

O próximo nível de hierarquia motora é o tronco encefálico. Os neurônios do tronco encefálico recebem aferências do córtex cerebral e de núcleos subcorticais e projetam-se para a medula espinal. Eles contribuem para o controle postural pela integração das informações visual, vestibular e somatosensória. Também controlam os  motoneurônios alfa que inervam os músculos mais distais, sendo então importantes para os movimentos dirigidos a um objeto, especialmente os do braço e mão.

 

Ao contrário dos reflexos, os movimentos voluntários são iniciados para atingir um objetivo específico. Movimentos voluntários melhoram com a pratica à medida que se aprende a prevê-los e corrigi-los frente aos obstáculos do ambiente que perturbam o corpo.

O córtex é o nível mais elevado do controle motor. O córtex motor primário e áreas pré-motoras projetam-se diretamente para a medula espinal através do trato corticoespinal e também modulam tratos motores que se originam no tronco encefálico. As áreas pré-motoras são importantes para coordenar e planejar seqüências complexas de movimento. Elas recebem informações dos córtices de associação parietal posterior e pré-frontal e projetam-se para o córtex motor primário, bem como para a medula espinal.

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vias motoras-trato córtico-espinhal

Além da medula, do tronco encefálico e do córtex cerebral duas outras partes do encéfalo também atuam, regulando o planejamento e a execução dos movimentos: o cerebelo e os núcleos da base (putamen, globo pálido, núcleo caudado, claustrum,  núcleo subtalâmico e substância negra).

O cerebelo e os núcleos da base fornecem circuitos de retroalimentação (feedback) que regulam áreas motoras corticais e do tronco encefálico. São necessários para que os movimentos sejam suaves e para a postura. Circuitos cerebelares estão envolvidos com a temporização e coordenação dos movimentos em execução e com a aprendizagem de habilidades motoras.

Memória

A memória está intimamente relacionada ao aprendizado, sendo o armazenamento também resultante da facilitação de vias sinápticas. Mas, isto não é tudo. Primeiramente, existem diferente tipos de memória:

Em relação ao tempo de armazenamento, a memória pode ser:

  1. imediata, ou ecóica : a retenção por alguns segundos de um número, ou uma frase que acabamos de ouvir, mesmo que não estivéssemos atentando para a informação.
  2. de curto prazo: retenção por até poucos minutos, aqui introduzo o conceito de memória de trabalho, ou “working memory”, que designa a capacidade de retenção de informação por alguns minutos ou mais para a execução de uma determinada tarefa. Por exemplo, quando em uma cidade estranha alguém me explica o caminho, dizendo quais curvas devo fazer depois de quais sinaleiros. Esta informação ficará retida pelo tempo necessário ao seu uso.
  3. de médio e longo prazo: retenção por horas,  anos, ou até toda a vida.

 

Em relação a um determinado episódio (por exemplo, um acidente vascular, ou um trauma) a memória pode ser retrógrada, que se refere ao armazenamento de conteúdos anteriores ao evento e anterógrada, ou seja, referente à capacidade de armazenamento de novos conteúdos apresentados. Assim, uma pessoa pode ter ainda armazenados dados sobre si mesma, como seu nome, sua biografia, mas ser incapaz de armazenar novas informações, como, por exemplo, a imagem de alguém que conheceu após a lesão cerebral.

A memória retrógrada divide-se de acordo com seu conteúdo em:

 Semântica: refere-se aos nossos conhecimentos gerais, como o conhecimento da nossa língua, ou de que o leão é um animal perigoso, ou de quem descobriu o Brasil.

Episódica ou biográfica: refere-se à nossa biografia, ao nosso conhecimento sobre o nosso nome, lugar de nascimento e fatos da nossa vida.

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Na literatura médica existe o caso de um paciente que durante anos visitou o mesmo médico, apresentando-se a ele todas as vezes, como se nunca o houvesse visto antes. Este paciente começou a aprender um determinado jogo, que lhe exigia habilidades manuais e, embora ele sempre começasse o jogo como se fosse esta a primeira vez, seu desempenho foi se tornando cada vez melhor. Isto mostrava que, se, por um lado ele não era capaz de armazenar informações que poderiam ser evocadas e expressas verbalmente (memória declarativa), por outro lado ele, de fato, aprendia o jogo! Ora, isto indicava a existência de formas diferentes de memória, que usavam circuitos cerebrais independentes um do outro. Realmente, a memória de habilidades associa-se às habilidades motoras e envolve o cerebelo.

 

Percepção e Memória

“Recordar é viver. Eu hoje sonhei com você… “

Recordar não é assistir novamente ao mesmo filme em vídeo-cassete. Nosso cérebro não armazena informações como um computador, o qual mantém os dados armazenados inalterados. Pelo contrário, recordar é reconstruir, é criar novamente a imagem um dia armazenada.

Hoje sabemos que não existe um centro da memória, não existe um local no cérebro, onde nossas impressões e experiências estejam armazenadas. Longe disso! Uma imagem leva a um certo padrão de disparo neuronal simultâneo em diferentes áreas e sua recordação se dá quando o cérebro consegue fazer com que os mesmos neurônios disparem da mesma forma, repetindo o padrão ocorrido durante a percepção. Acontece que esta repetição nunca é “perfeita”. Muitos neurônios não disparam como da primeira vez e assim a imagem recordada é uma recriação extremamente pessoal da imagem percebida. Além do mais este padrão de recriação também se modifica com o tempo. Alguns neurônios, cujo disparo correspondeu à apreensão de um determinado aspecto da imagem deixa de disparar quando esta é internamente evocada, outros mantém o disparo e talvez de forma até mais intensa que quando da percepção inicial.

As nossas impressões do mundo não são simplesmente espelhadas no nosso cérebro. Percepções visuais, auditivas, táteis são armazenadas numa forma desconstruída, em cada região uma característica da imagem (sua cor, seu cheiro, o som da voz, etc). Relembrar é remontar o quebra-cabeça, todas as peças se juntando ao mesmo tempo, disparando ao mesmo tempo. Esta é a base na nossa representação interna do mundo. Então a SUBJETIVIDADE é inerente à memória, posto que esta se dá por processos de agregação do novo (impressões, conceitos), com reorganização do já existente, sempre implicando a contrução e reconstrução, elaboração e reelaboração.

Histórias lembradas são mais curtas e mais coerentes que as histórias originais, refletindo uma reconstrução e condensação da história original. Os indivíduos reinterpretam o material original de modo que isso faça sentido em suas lembranças. Assim a memória (pelo menos a memória biográfica) é um processo construtivo, assim como a percepção sensória. A informação retida é o produto do processamento feito por nosso aparato perceptual.

A percepção sensória não é um registro fiel do mundo externo, mas um processo construtivo, no qual as percepções são acopladas, de acordo com regras inerentes de vias aferentes do encéfalo. Isso é também construtivo no sentido de que os indivíduos interpretam o ambiente externo a partir de um ponto de vista de um ponto específico no espaço, bem como de um ponto específico de sua própria história.

As ilusões ópticas dão uma prova de que o mundo percebido não é o mundo como ele é.

Além disso, uma vez que a informação está retida, a lembrança posterior não é uma cópia exata da informação originalmente guardada. Experiências prévias são usadas no presente como guias que auxiliam o encéfalo a reconstruir um evento do passado.

Durante a lembrança nós usamos uma série de estratégias cognitivas, incluindo comparações, inferências, adIvinhações e suposições para gerar uma memória consistente e coerente.

Ou como diz o poeta:

“ O Universo não é uma idéia minha.

A minha idéia do Universo é que é uma idéia minha.

A noite não anoitece pelos meus olhos,

A minha idéia da noite é que anoitece por meus olhos.

Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos

A noite anoitece concretamente.

E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso”.

                                         Alberto Caeiro

Emoção e memória

“Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no engenho Novo a casa em que me criei na antiga rua de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu….O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consigui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente.”                

Machado de Assis em “Dom Casmurro”

 

Se mantivermos a mesma emoção em relação a um fato, nossa recordação deste mantém o mesmo colorido. Caso, porém, nossos sentimentos tenham se modificado, a recordação também se modifica. Alguns detalhes tomarão uma outra dimensão. Por exemplo, uma pessoa deprimida tende a se ocupar muito com fatos passados, nos quais os aspectos mais negativos adquirem maior dimensão. Não existe, portanto, uma recordação objetiva. A natureza da memória é subjetividade e transformação.

Existe uma memória inconsciente dos fatos, uma memória implícita, que influencia a nossa recordação consciente. Imaginemos que um rapaz tenha tomado um ônibus e iniciado uma conversa com o passageiro ao lado. Minutos depois ocorre um terrível acidente, o ônibus capota na estrada e algumas pessoas morrem.

O nosso rapaz sofre apenas ferimentos leves e sobrevive. Passados alguns anos, ele é convidado para uma festa e lá se depara com alguém desconhecido. A visão desta pessoa, porém lhe causa medo e angústia, sem ele entenda porquê. Somente horas depois, já no fim da festa é que ele, após ter se informado com vários outros convidados sobre o desconhecido, é que lhe vem como num raio a recordação. O desconhecido era o passageiro do ônibus do terrível acidente !

Na história acima, a imagem estava armazenada em algum lugar no cérebro, mas não podia ser acessada pela consciência. Foi, no entanto capaz de evocar várias emoções.

Embora ainda haja muitas perguntas não respondidas, sabe-se hoje que existem estruturas particularmente envolvidas com este tipo de memória: o sistema límbico, composto pelo giro do cíngulo, córtex orbitofrontal, amígdalas, hipocampo, parte do hipotálamo e outras estruturas.  Estas interagem direta e indiretamente com várias, se não todas as demais áreas do córtex cerebral, influenciando nossa memória, atenção, raciocínio, etc. De fato, nenhuma parte do sistema nervoso funciona isoladamente. Começamos assim a ter uma compreensão melhor de como a emoção influencia a nossa capacidade de retenção, confirmando neurocientificamente o que já sabíamos por experiência:

O uso no processo pedagógico de meios que nos atinjam, nos toquem emocionalmente, como a música, as cores, ou  os cheiros, podem melhorar, e muito, a motivação e o aprendizado.

  

Linguagem : 

A linguagem é exclusiva dos seres humanos, isto é fato. Seria ela uma habilidade inata, algo que já vem inscrito em nós, moldado no nosso cérebro? Ou seria uma habilidade adquirida como o cultivo, a produção de ferramentas, etc?

Seria de se esperar de uma habilidade inata que esta se manifestasse em todas as culturas, independentemente do seu ambiente, ou grau de desenvolvimento. Seria também de se esperar que pudesse ser adquirida sem esforço por todos os indivíduos normais, posto que é inata, não necessitando de um aprendizado ou treinamento formais. Além disso, o processo de aquisição deveria seguir os mesmos passos em diferentes meios, pois as etapas já estariam pré-determinadas biologicamente.

Se pensarmos no andar sobre duas pernas como uma habilidade humana, este preencheria todos os critérios acima: em todas as culturas a capacidade de andar está presente; nenhuma criança necessita freqüentar uma escola para assimila-la. Os esforços que empreende são espontâneos e surgem em um determinado momento do desenvolvimento neuro-psico-motor, tendo com pré-requisitos a aquisição do equilíbrio da cabeça e do tronco, a capacidade de se colocar em diferentes posições (virar-se, elevar-se, etc).

áreas responsáveis pelo processamento da linguagem

áreas responsáveis pelo processamento da linguagem

Agora, retornando à linguagem, aqui também temos um comportamento presente em todas as culturas. Desde os aborígenes da Austrália aos esquimós do Alasca, não há cultura humana sem linguagem. As crianças adquirem a língua de seu meio por simples exposição, sendo que o processo de aprendizagem segue aqui uma sequência universal. Os passos são os mesmos, independentemente da língua a ser aprendida.  Por volta do primeiro aniversário, as crianças falam suas primeiras palavras. Por volta do segundo aniversário a velocidade de aquisição de novas palavras aumenta tremendamente, chegando a uma média de 7 a 9 ao dia !

As crianças começam a combinar palavras, sendo que aos 3- 4 anos de idade começam a falar sentenças completas. ( OBS: É claro que as idades aqui citadas são apenas valores estatísticos, sendo que o espectro das idades  dentro da faixa de normalidade é muito amplo).

A linguagem não são apenas listas de palavras e assim as crianças aprendem não apenas os nomes e os verbos, mas também como combina-los.

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O ser humano tem então uma capacidade inata não apenas para aprender o significado das palavras, mas de reconhecer suas diferentes categorias, agrupando-as de acordo. Ele já traz no berço um cérebro previsto para esta função, um cérebro unicamente humano, posto que todas as outras espécies são incapazes de tamanho desempenho.

por Elisabete Castelon Konkiewitz

in Neurociências em Debate

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