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A felicidade foi tomando parâmetros totalmente distorcidos, firmando-se de forma grotesca e exploratória. É difícil imaginar que as pessoas e as sociedades que se regem somente pela busca da felicidade, tanto ou ainda mais do que lutam contra a dor, consigam sobreviver. Alguns dos desenvolvimentos sociais contemporâneos em culturas cada vez mais hedonistas conferem plausibilidade a essa ideia. Há mais variedades da vida no sentido da infelicidade que da felicidade.

por Marcello de Souza

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“ Não importa o que a vida fez de você,

mas o que você fez com o que a vida fez de você. ”

(Jean-Paul Sartre)

Entender a finalidade da natureza humana é parte do princípio para compreender de onde surgimos e para onde vamos. Freud em seu modo pessimista de interpretar a vida, questionou a finalidade da nossa existência, do porque estamos vivos. Para ele a existência humana não tem finalidade. Quando nos deparamos com questões com esta, do porquê existimos, necessariamente já nos traz o sentimento da angustia. Somente o fato de não entender a própria existência já é um motivo de sermos infelizes. É evidente que esta questão é base de teorias por infinitos séculos, faz parte daquelas reflexões que necessariamente temos que buscar dentro si um sentido, exclusivo, que sempre diverge entre as pessoas, não havendo uma verdade absoluta. Estas questões sem uma resposta clara, nos fazem dar um sentido próprio à nossa vida, como a busca da felicidade.

Vivemos em pleno século XXI onde é possível transplantar órgãos, fazer cirurgias corretivas, curar doenças que até há pouco tempo atrás eram incuráveis, implantar membros artificiais, entre tantos outros avanços, entretanto, estamos vivendo em uma sociedade cada vez mais doente mentalmente.  Ao mesmo tempo que o ser humano encontra a cada instante respostas para sua maior perspectiva de vida, parece ter esquecido de encontrar também mecanismos mais eficazes para compreender a concepção do comportamento humano. O neurocientista Antonio Damásio, diz que “há algo de paradoxal na nossa cultura em relação à conceitualização da medicina e seus profissionais. Muitos dicos interessam-se pelas humanidades, das artes à literatura e à filosofia. um número surpreendentemente grande de médicos que se tornaram poetas, romancistas e dramaturgos de destaque, e houve vários que refletiram com profundidade sobre a condição humana e abordaram sabiamente suas dimensões fisiológica, social e política. E, no entanto, as escolas de medicina de onde eles provêm ignoram, na sua maior parte, essas dimensões humanas, concentrando-se na fisiologia e na patologia do corpo propriamente dito. A medicina ocidental, e em particular a medicina dos Estados Unidos, alcançou a glória por meio da expansão da medicina interna e das subespecialidades cirúrgicas, sendo objetivo de ambas o diagnóstico e o tratamento de órgãos e sistemas doentes em todo o corpo. O cérebro (mais concretamente, os sistemas nervosos central e periférico) foi incluído nesse empreendimento, uma vez que era um desses “óros”. Mas seu produto mais precioso, a mente, não foi alvo de grande preocupação por parte da corrente central da medicina e, na verdade, o tem constituído o tópico principal da especialidade associada ao estudo das doenças do cérebro, a neurologia. Talvez não tenha sido por acaso que a neurologia americana começou como subespecialidade da medicina interna e apenas se tornou autônoma no século XX. O resultado dessa tradição tem sido uma considerável negligência da mente enquanto função do organismo. Poucas escolas de medicina oferecem atualmente aos seus estudantes alguma formão acerca da mente normal, a qual só pode ser fornecida num currículo forte em psicologia geral, neurofisiologia e neurociência. As escolas de medicina proporcionam estudos da mente doente que se encontra nas doenças mentais, mas é espantoso ver que, por vezes, os estudantes começam a aprender psicopatologia sem nunca terem aprendido psicologia normal”.

Damásio ainda em diz que “há diversas razões subjacentes a essa situação, e suponho que a maior parte delas provém de uma visão cartesiana da condição humana. Ao longo dos três últimos séculos, o objetivo da biologia e da medicina tem sido a compreensão da fisiologia e da patologia do corpo. A mente foi excluída, sendo em grande parte relegada para o campo da religião e da filosofia, e, mesmo depois de se tornar o tema de uma disciplina específica, a psicologia, só recentemente lhe foi permitida a entrada na biologia e na medicina. Sei que há louváveis exceções a esse panorama, mas elas vêm apenas reforçar essa ideia sobre a situação geral”.

A resultante disto são referenciados nas informações apresentadas pela organização mundial da saúde em um recente estudo que diz que uma em cada duas pessoas desenvolverão uma um transtorno psiquiátrico e que destas, uma em cada três pessoas desenvolverá a depressão. Em plena era digital, ao mesmo tempo que o acesso a informação nunca foi tão intenso, a sociedade está passando por um vazio comportamental, uma epidemia emocional, tornando as pessoas coletivamente doentes psiquiatricamente e isto obviamente independe da classe social, dos bens adquiridos na vida e tudo que foi ou não construído com as próprias mãos. A verdade é que temos muita ciência, temos muita técnica, vivemos em um mundo “democrático e livre”, mas, de longe, não podemos afirmar, em hipótese alguma, que tudo isto nos tornou mais felizes.

O que então acontece com a sociedade pós-moderna. Porque vivemos em uma sociedade angustiada, infeliz e depressiva?

Talvez Agostinho de Hipona, teólogo e filósofo dos primeiros anos do cristianismo, possa nos dar uma pista quando diz que “… daquele de dentro de uma prisão ao olhar pela janela gradeada, alguns enxergam só a grade e os outros enxergam só as estrelas que estão depois da grade” . Ele disse ainda que “não sacia a fome quem lambe o pão pintado”. Nestas palavras passiveis de se comparar aos dias atuais, fica evidente que não se deve contentar-se com a perspectiva das aparências, nesta “consumolatria” desesperadora, em uma sociedade sem saciedade.

O sociólogo Zygmunt Bauman, nos ajuda nesta reflexão quando diz em sua obra que estamos hoje vivenciando uma sociedade líquida, uma sociedade do imediatismo, individualista, sem a capacidade de transformar seus anseios em projetos longos da vida, crescer gradativamente a partir dos próprios esforços, ou ter objetivos sem deixá-los serem pulverizados com as necessidades pontuais. “A liquidez da sociedade se dá pela sua incapacidade de tomar forma fixa. Ela se transforma diariamente, toma as formas que o mercado a obriga tomar”.

Neste sentido os filósofos e sociólogos alemães Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, criadores da teoria Indústria Cultural, da ênfase à felicidade imposta na sociedade. Segundo eles, a partir do século XX a felicidade foi tomando parâmetros totalmente distorcidos, firmando-se de forma grotesca e exploratória. Tendo o consumidor não como um sujeito, mas sim como um objeto. Sobre esta perspectiva a filosofa Marcia Tiburi, diz que no meio da Indústria da Cultura acaba por tornar as pessoas uma cópia fiel uma das outras, padronizando-se. Não é necessário ir muito longe para perceber isto, basta olhar a pessoa do seu lado e logo percebera uma semelhança como a moda, os carros, os cabelos, as casas, as decorações e até mesmo os nomes dados aos próprios filhos. O que leva a entender que a capacidade humana de pensar, criar, inventar e extrapolar e outras maneiras de viver através de outras possibilidades, acabaram por ser varridas do cotidiano, não havendo mais diferença entre nós. “Como se uma enxurrada de ideias e de imagens prontas tivessem lavado (lavagem cerebral) a nossa capacidade de pensar, sendo extirpado de nós a nossa inteligência para refletir sobre a nossa vida e criar autonomamente a nossa própria escolha”.

Hoje, praticamente todas as imagens vinculadas ao bem de consumo vem seguida de mensagens com receitas para ser feliz, e isto vai ao infinito, desde as propagandas de margarina, redes de supermercado, carros ou de drogas licitas ou ilícitas, não importando se é algo saudável ou não.  Vinculados em todos meios para sociedade, seja pela televisão, cinema, revista, jornais, etc., uma representação sempre de que temos que ser felizes, seja qual for o contexto. Não existe classe social que já não seja contaminada pela necessidade consumista com a perspectiva de ser feliz, sendo semiótica as analogias, objetos e o momento.

Esta Indústria Cultural, faz com que vivamos cercada de promessas da felicidade, acabando-se por adotar ações cotidianas viciosas para suprir a necessidade de não sentir o próprio desespero de viver. Dentro de uma sociedade doente que cada vez mais é enterrada pelo medo do próprio sentido da vida, em um modismo psiquiátrico; aonde se nasce aprendendo buscar como fuga do sofrimento o ato de consumir compulsivamente como se hoje as lojas tivessem se transformado em grandes farmácias ou então em obsessão incontrolável pelo imediatismo, por respostas prontas e rápidas, medicamentos e terapias e livros de autoajuda, padronizando todos os seres humanos como um só, uma única forma de ser, sonhar, agir e pensar.

O século XX foi marcado como “a era do cérebro”, com inúmeras pesquisas fascinantes sobre a mente humana, mas que também trouxe junto, de forma parasitaria, a ideologia de que é possível desvendar o comportamento humano como um todo, como se o homem pudesse ser completamente catalogável, passível de encontrar receitas prontas cabíveis a qualquer pessoa, que possibilitando torna-las melhores, mais compreensíveis, mais capazes e eficientes, como se fosse possível superar todos os problemas internos, as frustações, os traumas, as próprias verdades. Neste quadro contemporâneo, neste vazio intelectual, acaba-se por surgir inúmeros oportunistas, verdadeiros gurus, que trazem embaixo do braço as receitas prontas, oferecendo bulas para ser feliz.

O sucesso passa a ser a única responsabilidade, única razão para viver, e o fracasso é a culpa, deturpando a ideia da intercidade do sujeito com a felicidade. Para isto as pessoas tornam-se obrigadas a serem sempre vitoriosas, corajosas, ousadas, ter auto estima, ter iniciativas, serem produtivas a qualquer custo, imediatistas, cada vez mais sem tempo para viver. Como enfatiza filosofo Leandro Karnal quando diz que o mundo foi pulverizado com verdadeiras teologias, ressaltando, por exemplo, a Teologia da Autoajuda, resultado do vazio literário, aonde a cultura filosófica se pulverizou, para ele “A Teologia Autoajuda tem dois dogmas teológicos, sendo o primeiro no qual diz que se você não se amar ninguém mais vai te amar e segundo, se você pensa acontece. Sendo então uma teologia vaidosa por que faz de cada um Deuses, – o que eu penso, acontece… uma “teogonia”.  Karnal diz ainda que surgi também a “teologia associada as religiões neopentecostais (mas não apenas), com a Teologia da Prosperidade – reze e você sairá do SERASA, siga esta religião e você adquirira tal carro, adquira está fé e você se tornara uma pessoa mais bem-sucedida”, com a imagem deste novo Deus da fartura, que deturpa os próprios fundamentos do Cristianismo.  O Professor Karnal, considera a mais sólida de todas as teologias nos dias de hoje a Teologia do “Empreendedorismo”. “Hoje o empreendedorismo é a pedra de toque para todas as pessoas especialmente do mercado, para entender o sucesso. O fracasso só pode existir se você não tiver ou não conseguir controlar seu empreendedorismo, o empreendedorismo é a chave do futuro, tornou-se tudo. O sucesso é sua responsabilidade e o fracasso é sua culpa. Com ele vem inúmeros gurus pessoais,…” como a grande maioria dos Coachs, “que ficam dizendo – Você precisa confiar em você; você precisa ter meta; você precisa se desenvolver; você precisa colocar estas metas em pratica…você tem ficar repetindo, dizendo a si mesmo – eu posso, eu sou vitorioso…. Com uma pitada de esquizofrenia ou bipolaridade, mas que hoje é tido como consistência pessoal…. O inferno atual é o fracasso, vai para o inferno quem não tem iniciativa, vai para o inferno quem não se planeja, vai para o inferno a pessoa que não tem metas, vai para o inferno a pessoa pessimista, …”.

Ser feliz pode ser mais difícil do que se parece ser, por isto talvez esteja faltando entender que esta busca da felicidade vai tirar justamente o tempo necessário para ser feliz. Esta peculiaridade que vai se direcionar fundamentalmente a um dos sintomas que hoje envolve um dos maiores males da sociedade moderna, que é a depressão.  Perceba que somente no Brasil são mais de 17 milhões de pessoas diagnosticadas como depressivas.  Partindo deste pretexto, a depressão pode ser causada pelo simples fato de que nos tornamos verdadeiros atores da própria vida, representando ser o que não somos, ocultando o verdadeiro sentimento que existe dentro de cada um. Esta imagem imposta hoje na sociedade de ser feliz, sempre, não se sustenta, não se pode mentir para si mesmo, não se consegue ser personagem fictício de si mesmo por muito tempo.

Com a sociedade pós-moderna surgem dois mundos: O primeiro mundo é um mundo tradicional, contemplado com os valores pessoais, dentro dos conceitos morais e éticos, com regras claras, definidas, atestado com racionalidade, aonde você assume as suas responsabilidades com a essência para um bom convívio social em comum. O segundo mundo, é mundo da subjetividade, que passa a ser valido se você considerar que o que vale são suas regras, seu modo de olhar e observar, um mundo individualizado, aonde você deixa de ser responsável pelos seus atos, havendo sempre um outro para culpar dos seus próprios erros, uma vida muito menos plena do que já mais foi, robotizados, contidos em uma cegueira social, aonde as pessoas não conseguem enxergar mais as outras, omitindo da própria realidade, da própria vida interagida com outros, tornando-se sobrevivente do próprio mundo, cada vez mais egoísta e virtual. Na subjetividade existe uma única regra que vale para todos, como se fosse uma disputa de quem está melhor, mais feliz, fazendo mais coisas, consumindo mais, e para isto passam a viver dentro do seu próprio “Big Brother”, como se houvesse uma necessidade fantasiosa de provar para todos que você é feliz, que a vida é uma alegria, sempre – quanto mais curtidas, melhor.

Neste mundo contemporâneo, surgiram também as pessoas que se tornaram tão egocêntricas, egoístas consigo mesmo, que não se permitem vivenciar aqueles momentos que nos trazem o furor da felicidade, impedindo-a de acontecer, ficam dentro do próprio vazio, se sabotando, tão pequenas em sua capacidade de compreensão, tão estreita que não conseguem enxergar a vida e tudo que há nela, se acham o centro de toda a atenção, donos da própria verdade, e conseguem contaminar todos a sua volta.

Surgem também aqueles que hoje fazem parte da grande parte da sociedade, que ficaram cegos, tornaram a vida tão insignificantes que insatisfeitos com o momento do simples ato de viver preferem-se deslocar do mundo real, passando a dar importância a tudo aquilo que está distante, virtualmente, e não mais dar valor aos que estão presentes ao seu lado. Este que sente à vontade sempre de não estar onde se está, em uma tentativa de não saborear o momento, negando-o por acontecer.

Todos estes que vivem na subjetividade, acabam-se por fim, perdendo a chance de degustar a plenitude de viver, no aqui e agora, deixando de viver cada momento como seu momento. Para estes, a vida não pode ser feliz. Pensar apenas em si mesmo, nas fantasias e no imediatismo talvez seja querer muito pouco da vida. Este modelo de indivíduo que hoje se formou, acaba por sofrer de um vazio.

Dentro deste contexto, o filosofo e escritor Jean-Paul Sartre apresenta a questão que parece ser o grande equívoco sócio cultural da pós-modernidade, para Sartre primeiro vem a existência, depois a essência”. É amplamente visível que hoje as pessoas projetam somente a essência, mas a verdade é que se deveria viver a existência, a realidade, a plenitude do ser. Vivemos constantemente comparando como deveria ser com o que se tem, distanciando-se de quem realmente somos.

Por isto, não se pode perder a razão da vida que vai muito além do ganhar e perder, vai da capacidade de se reinventar a cada instante através das experiências que a vida proporciona a cada um, individual, entender que a vida é um processo constante de busca, com ideais, razão objetiva daquilo que se deve alcançar, lembrando-se sempre que somente você mesmo tem a capacidade de julgar os valores da sua própria vida, mas não se engane, pois a crença que o ser humano é capaz de administrar a própria felicidade é fracassada como toda crença utópica.

A verdade é que os grandes sistemas do intelecto humano filosóficos e teológicos entraram em colapso na contemporaneidade. Nunca se publicou tantos livros, nunca se leu tanto em toda história humana, nunca se teve tanto acesso a informação, entretanto nunca se disse tanta bobagem, nunca se fez tão pouco e as pessoas se tornaram tão superficiais, banais, adeptos ao senso comum e ao pensamento liquido, baseados em frases prontas. A filosofa Viviane Mosé, reafirma que com o tempo acabamos por nos tornar uma sociedade infantilizada, no qual é imposto a busca doentia por esta felicidade, em uma necessidade de amparar a infelicidade de qualquer forma, como se agora houvesse a seguinte regra: Não podemos ser infelizes!  

Mas então, o que será a felicidade? Como alcança-la?

Claro que a felicidade é um conceito que parece um tanto abstrato, cada pessoa tem seu modo de interpreta-la, não havendo um modelo comum de ser feliz, o que é ser feliz para um com certeza não é para outro, e é isto que é extraordinário, nos torna mais amplos e densos, é a prova mais evidente que ninguém é igual a ninguém.

Santo Tomas de Aquino, cujas obras tiveram enorme influência na teologia e na filosofia, acreditava que “em tudo que nós fazemos é para busca de nossa própria felicidade”, não há nada que alguém neste mundo busque a não ser para encontrar a própria felicidade. A felicidade não é o meio mais sim o fim da nossa busca existencial.

Frei Betto, um escritor e religioso dominicano brasileiro, faz uma concepção sobre a felicidade, começando com uma descrição clara sobre prazer, alegria e felicidade. Para ele “prazer é tudo aquilo que sentimos no dia a dia que nos deixa o sentido de se estar bem, como tomar um bom vinho, estar em uma roda de amigos, uma noite bem dormida. A alegria já é quando por exemplo recebemos uma boa notícia, alcançamos algum desejo, ver o time que torcemos ganhar um campeonato e assim vai, entretanto, a felicidade é um estado de espírito, é algo que nos impregna interiormente, mesmo que ainda estejamos em uma situação de adversidade do sofrimento, como as enfermeiras que trabalham com pacientes terminais, a mãe que cuida do filho invalido por uma doença  e assim por diante…..logo, a felicidade é muito disto, ela é individual a cada pessoa, é a forma como cada um imprime a própria vida.” Frei Betto diz que “ele não conhece ninguém que seja feliz sem fazer os outros felizes, mas o inverso é mais comum, pessoas que estão à volta muito infelizes, aqueles que exalam a amargura, tristeza, ira, ódio”, pessoas egoístas por assim dizer.

Segundo Aristóteles o ser humano é um ser que tem necessidade de se relacionar. Seguindo este raciocínio, para o Frei Betto o relacionamento, o contato humano é a primeira grande regra para ser feliz.  A amizade é algo inerente a qualquer cobrança, “uma verdadeira partilha no universo da gratuidade ”.  Para o Frei, uma segunda condição “é o ideal para a vida altruísta e solidária, toda pessoa feliz, é aquela que tem alta estima, que independe de ter bens e poder, isto não importa. Uma pessoa com alto estima não se apega a funções, cargos, status, ou a qualquer coisa que seja externa de si mesmo, a felicidade está dentro e não fora de si.  A verdade é que todos estão em busca da felicidade, a felicidade é uma infinita saudade da nossa vida e do nosso futuro, uma infinita saudade de Deus, por isto que a felicidade é inassinável, pois e neste apetite que temos do encontro que teremos do outro lado da vida quando “trans-vivenciarmos” com a plenitude do amor. Nada preenche tanto o coração humano como o amor, e a busca da felicidade, conscientemente ou não, não está naquele que põe como objetivo a felicidade como sentido da vida ou aquele que põe dinheiro na conta bancaria ou aquele que põe garanhões de raça na coleção de cavalo, seja o que for. Na realidade está na pessoa que tem de fato uma saudade da plenitude de ser feliz e esta finitude vem somente com uma experiência muita intensa, envolvente e eterna, portanto a vida será eterna se nesta vida ela for terna”, conclui ele.

O professor e filosofo Mario Sérgio Cortella faz sua colocação a uma frase tão comum entre as pessoas, que dizem – “ um dia vou ser feliz” – para Cortella esta é uma frase vazia já que muitas pessoas acabam por achar que felicidade é um lugar, como se ao chegar neste lugar tudo parasse, com um descanso e repouso. A ideia de paraíso foi construída por toda a existência humana, seria como um momento transcendente que vai além da existência do agora, em uma imagem sempre desejada, livre das dificuldades que a vida proporciona, dentro de um sonho coletivo. Para o filosofo a felicidade não é um lugar, mas sim uma ocorrência, uma circunstância virtual, que todos nós somos capazes de alcança-la em momentos de nossa vida. “Jamais teremos uma felicidade continua, se isto acontecesse a felicidade perderia todo o sentido de existir”.

O filosofo grego Aristóteles disse que “a felicidade é a última busca da alma” e se a felicidade é um fim então tudo aquilo que é estável e permanente não pode ser felicidade. Logo, é certo dizer que a natureza humana só dá sentido na necessidade de algo quando se tem carência daquilo. Ninguém pode ser feliz o tempo todo e nem deveria ser assim. O professor Cortella ainda afirma que ninguém é feliz só, a felicidade é partilha, é impossível ser feliz sozinho. Por isto quem diz que um dia será feliz, dificilmente a encontrará, pois não é o horizonte, mas sim a introversão, aquilo que está dentro de cada um, representada em momentos intensos e únicos. Cortella completa dizendo “que felicidade não é euforia, não é mero prazer, não e só a alegria, tudo isto pode fazer parte da felicidade, mas não é o sentido pleno para ser feliz. Felicidade é quando se sente a vida vibrar, quando se sente fertilidade, ou seja, quando você deixa a vida prosperar, dar continuidade, quando você sente que a vida é uma dadiva estupenda, maravilhosa que vibra dentro de você”. 

Talvez as pessoas estejam se esquecendo que nenhum momento da vida irá se repetir novamente, nunca mais voltará a acontecer, necessariamente seremos diferentes do que somos agora daqui a um segundo. O professor e filosofo Clovis Barros diz que “cada instante da vida é uma oportunidade mágica irrecuperável e “virginal”, absolutamente inédita e nunca antes vivida, é este momento que cada um tem para fazer o melhor, de bem consigo mesmo, o melhor que se pode fazer, sabendo que cada um tem a chance de fazer deste momento, melhor que o momento anterior, melhor do que toda a vida vivida, porque hoje somos melhores do que ontem, hoje cada um é mais competente do que ontem, mais preparado e mais experiente do que ontem, então, cada um de nós tem a chance de fazer o melhor da vida, para que possa haver a alegria durante seus movimentos, suas ações, seu trabalho, e não no final”. O quanto antes começarmos a fazer as nossas ações com paixão e com alegria é melhor para a vida porque se for para esperar chegar ao final do dia para ser feliz, ou a sexta feira, ou o final de semana, ou o feriado, ou as férias, é porque a vida vivida é muito ruim, triste, amarga e solitária. Clovis diz que a vida é bem melhor quanto ela começa com alegria, e o quanto antes, melhor, assim ela terá colorido, cada vez que você usar o instante vivido para buscar fazer algo mais aprimorado, a busca da excelência, o pleno desabrochar da própria essência, a busca da própria perfeição, vai acontecer de encontrar este instante raro de ser feliz. “Porque é agora que a vida acontece, e você tem a chance mágica de usar os melhores movimentos, os melhores exemplos, tocar a outra pessoa na alma com a máxima contundência e aí sim você estará fazendo da sua vida uma vida de desafios, colorida e feliz”. Não é quando acabar, é agora!

A felicidade é este raro momento que você não quer que acabe, que você quer que se repita que tenha a chance de vivencia-la novamente. O professor Clovis Barros enfatiza “a felicidade como momento exclusivo, único, aquele segundo de querer mais e mais. Mas como tem que acabar, que você use a inteligência para que ele volte. Podendo acontecer em qualquer lugar. A verdade é que “quando se pode proporcionar a outra pessoa um misero segundo que este alguém gostaria de repeti-lo com você, esta é então a verdadeira e indescritível sensação de ser feliz”.  Com diz Cortella, “não dá para admirar algo lindo como um pôr do sol maravilhoso sem compartilhar esta sensação com alguém, não dá para degustar algo extraordinário imaginando que aquilo é só para você, com certeza tudo isto e muito mais intenso, mais gostoso quando se tem alguém para partilhar”.

 “Todas as pessoas que buscam ser felizes são parecidas umas com as outras, cada pessoa infeliz é infeliz à sua maneira”.

O que somos nós, a não ser um animal frágil, que foi concebido ao mundo com muitos poucos instintos, que luta para esconder seus próprios fantasmas, seus próprios medos, dentro de um corpo que tem começo, meio e fim, preso a uma alma que vislumbra o infinito, que não tem controle sobre a vida, dominado pelo inconsciente e que tem a consciência da trágica história de viver e morrer.  Sobrevivendo sobre duvidas, céu e inferno e entre ser e não ser, que busca incessantemente um sentido da própria vida.

Nesta busca o que acaba por prevalecer é a angustia, a tristeza de não entender quem realmente somos, da onde viemos e para onde iremos. Porém, diferente de tudo e qualquer outro animal, o ser humano veio ao mundo com uma capacidade única de pensar, de tentar compreender a vida e o que há nela, tirar conclusões, perceber o mundo de forma individual. Todo este contexto se reflete na agonia de perceber que no fundo todos somos meros mortais.  Transformando esta percepção em medo, uma carência e indigências refletidas no mais profundo estado de tristeza, ancoradas tanto nas condições fisiológicas como nas condições psicológicas.

Surgi então uma questão apresentada pelo professor Leandro Karnal em uma de suas palestras: “Sem tristeza, pessimismo e angustias teria existido cultura? ”, Karnal apresenta uma lista de alguns depressivos, como: Woody Allen, Hans Christian Anderson, Machado de Assis, Baudelaire, Ernest Hemingway, Federico García Lorca, Martinho Lutero, Michelangelo, Fiódor Dostoiévski, Vincent van Gogh, Liev Tolstói, Friedrich Nietzsche, entre tantos e tantos outros que foram pilares da história humana. Há aqueles que dizem que “a felicidade pode se tornar um dos elementos mais esterilizadores da vida”, e realmente, se ela fosse plena e constante todos viveriam em uma zona de conforto. Sem desafios, seria o fim de todo sentido humano de viver a vida, com certeza já teríamos nos esvaecido e talvez nada mais faria sentido.

A relação e a importância da tristeza na vida humana são refletidas a muito tempo. Na própria concepção humana existe uma fantasia de algo que insiste e se repete, que nada mais é do que a própria tentativa de fugir do sofrimento. Este sentimento que já era percebido pelos gregos, na Grécia antiga. A primeira vez que ela apareceu foi com um filosofo chamado Heráclito, 535 a.C, um filósofo pré-socrático considerado o ” Pai da dialética”. Ele parte do princípio de que tudo é movimento, e que nada pode permanecer parado – Panta rei ou “tudo flui”, “tudo se move”, exceto o próprio movimento. A infelicidade então, torna-se a essência da vida e ela nos move, faz agir e reagir confrontando os desafios da vida.

Não que seja necessário buscar a infelicidade, muito pelo contrário, talvez o que falte é aprender a aceita-la, refletir e compreender sua razão já que ela faz parte de um processo interno intrínseco da nossa própria história de vida, individual, exclusiva, única, capaz de fazer-nos melhor, permitindo o nosso amadurecimento interpessoal através das experiências, que amplia a visão necessária para aprimorar nossas relações, dentro de um processo que começa e termina. E é este tempo que precisa ser dado, para que se possa absorver tudo que ela representa. Desta forma, quebrando barreiras internas, resignificando o verdadeiro sentido da alma. É verdade afirmar que quanto maior nossas experiências, maior pode ser a dor, mas também maiores serão as ferramentas que permitem enfrentar a vida de forma mais suave e precisa. Um verdadeiro ciclo de alto conhecimento e evolução continua.

“O homem é angústia”, (Jean-Paul Sartre)

Acabamos por nos tornar uma sociedade hedonista, incapaz de viver a autenticidade da infelicidade, acabamos por sofrer pelo simples fato de ser impossível não sofrer, passando a maior parte do tempo iludidos, nos apegando a futilidades para suprir forças para esta batalha interna de confrontar nosso próprio vazio. O filosofo Luiz Felipe Pondé, diz que “a infelicidade não é algo que acontece por acontecer, não é algo que entra por uma pequena brecha da sua alma, ela sempre estará ali, sendo parte da sua própria alma, porque a alma é infeliz, porque ela sabe mais do que deve, mas nunca vai saber tudo que precisa”. Está tristeza como sentimento de abatimento, de pesar ou de dificuldade com a vida, este sentimento que nos derruba e nos deixa para baixo, que muitas vezes se relaciona com o luto e com a melancolia, pode ser o momento mais presente e estar interligado com a depressão, mas também é a sua compreensão que muito nos ajuda a viver, ela nos dá ar para perceber o quanto vale a vida.

A tristeza começa a se tornar suportável na medida que passamos a perceber que ninguém está imune a ela, que pertence a todos, que é um sentimento que não diz apenas a vivencia “ontogenético”, como dizia o próprio Freud, mas sim é um sentimento tão particular de cada um, que preside na história individual, social e na própria cultura.

O professor Karnal em sua palestra sobre a Vida, cita uma velha história do Rei Dom João visitando Mafra que pergunta a cada pedreiro, “O que você está fazendo? ”. A resposta eram praticamente as mesmas – cada um dizia suas ocupações, uns “estou quebrando pedra”, outro “estou lixando madeira”, outro “estou pintando”, até que chega ao mais simples que ali estava, que fazia cal, e Rei Dom João então novamente pergunta “O que você está fazendo? E ele responde “estou construindo uma catedral! ”  Percebe-se aqui, como objeto para se compreender, que são aqueles que tem noção do todo que conseguem tornar a vida mais significativa, menos infeliz. É obvio que somente depois de dar sentido a sua obra, dentro dos diversos projetos de vida, é que se pode falar dos obstáculos que eles lhe proporcionarão e nunca o contrário, martirizando-se, ficando em buscas de respostas sobre tudo aquilo que nos aniquilara no dia a dia. O sofrimento gerado pela infelicidade é inerente na vida, do convívio humano, das relações, da natureza, da capacidade de se transformar, e ele vem e vai a cada instante.

A sociedade pós-moderna parte de uma premissa impossível de se realizar de que todos irão viver uma vida plenamente realizada e feliz, esta utopia nos provoca fantasmas, porque a perfeição da vida nunca existira. São estes fantasmas, partindo de uma ilusão que sangra o nosso Eu, a nossa alma, transformando-se na depressão, melancolia, tristeza. Mas ao mesmo tempo estes sentimentos infelizes passam a ser produtivos, podendo fazer as pessoas se dedicarem a algo, como um verdadeiro incomodo. Sem este incomodo, esta dor, a maior parte das pessoas tornam-se somente uma “ostra” em sua vida, definhando literalmente, passando-a sem brilho, sem deixar nada de valor. A filosofa Viviane Mosé diz que “alegrar é a capacidade de sustentar o infinito. O homem é o único animal que sabe da própria morte, que reconhece a exterioridade da vida, vive e sabe que vive, desta forma, todos os homens carregam nas costas o próprio infinito, e o desafio é suportar o infinito, isto implica na capacidade de ser resiliente, de suportar e aguentar os desafios da vida”.

 O homem é responsável por tudo quanto fizer” ( Jean-Paul Sartre)

 O filosofo Oswaldo Giacóia Jr., diz que “somos total e unicamente responsáveis pelo que iremos fazer de nós mesmos e isto possa infundir em nós o medo, que é totalmente compreensivo, mas que isto possa paralisar o nosso pensar e o nosso agir, e é exatamente isto que não deve acontecer. Por esta razão, a ancora, o ponto nerval, a medula desta agenda Nietzschiana da coragem contra o medo, reside precisamente em nossa relação com o tempo e com a finitude, nós teríamos que ser capazes de nos alçar a uma relação com o tempo que fosse tão plena e tão rica que nos permitisse desejar que todos os instantes vividos pudessem ter o sentido de eternidade ou seja, que nós tivéssemos restaurado nossa relação com o tempo e com o passado de tal maneira que pudéssemos ser capazes de jamais nos arrepender de um único gesto, ato ou palavra da nossa vida”, somente assim poderíamos, enfim, ser felizes.  

A infelicidade e a felicidade não são imagens gêmeas ou simétricas uma da outra, pelo menos não o são em termos das suas funções no apoio à sobrevivência. De certa forma, e a maior parte das vezes, é a infelicidade que nos desvia do perigo iminente, que nos ajuda a ser diferentes a buscar novos encontros com a vida, tanto no momento presente como no futuro antecipado. É difícil imaginar que as pessoas e as sociedades que se regem somente pela busca da felicidade, tanto ou ainda mais do que lutam à dor, consigam sobreviver. Alguns dos desenvolvimentos sociais contemporâneos em culturas cada vez mais hedonistas conferem plausibilidade a essa ideia.Há mais variedades da vida no sentido da infelicidade que da felicidade.

REFERÊNCIAS

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FILHO, C. B. Razão e Sentimentos. Espaço Ética, São Paulo: 2016. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=mTTfdLQLrYM>. Acesso em: 09 de março, 2016.

FILHO, C. B. ExpoGestão 2016. Opera Eventos, São Paulo: 2016. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=gpafUxoApHk&t=2s>. Acesso em: 09 de dezembro, 2016.

KARNAL, L. Palestra para a VIDA. Motivação Grid, São Paulo: 2016. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=F1KySj3pctk>. Acesso em: 09 de dezembro, 2016.

KARNAL, L.. Os velhos e os novos pecados. Espaço CPFL, Campinas: 2016. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=_36Bute_ZHo&t=19s>. Acesso em: 03 de dezembro, 2016.

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TIBURI, M. “Felicidade?” – Parte II.Casa Fiat de Cultura, Porto Alegre: 2016. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=2NSyVuJWBf8&t=18s >. Acesso em: 22 de dezembro, 2016.

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