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Já escovou os dentes hoje? E cuidou do cérebro também? Álvaro Bilbao, autor do livro “Cuide do Seu Cérebro”, garante que, seguindo alguns passos, é possível ter uma mente ágil em qualquer idade

Exercitar o cérebro é preciso. E melhor do que fazer quebra-cabeças é ir caminhar.

Cuidar do cérebro é mais importante do que cuidar da pele — a indústria da beleza que nos perdoe — e devia ser um hábito tão comum como escovar os dentes depois de cada refeição. A mensagem, talvez um pouco atípica, é do psicólogo espanhol Álvaro Bilbao, conhecido pelo livro “O Cérebro da Criança Explicado aos Pais”, mas agora o foco é outro. Sobretudo desde que foi lançado em Portugal, terça-feira passada, o livro “Cuide do Seu Cérebro… E Melhore a Sua Vida”, do mesmo autor.

“Cuidar do cérebro não devia ser uma prioridade das pessoas mais velhas, mas sim das mais novas, por vários motivos. As pessoas que cuidam dos seus cérebros desde jovens têm menor risco de ter doenças quando são mais velhas”, diz Álvaro Bilbao em entrevista exclusiva ao Observador.

No livro em destaque, o neuropsicólogo e psicoterapeuta apresenta seis áreas-chave a que devemos prestar atenção, pela saúde do nosso cérebro: desde a boa alimentação às devidas horas de sono, passando ainda pelo exercício físico. Já os exercícios mentais, como quebra-cabeças ou “sudokus”, são bons, mas nada bate “sair à rua, caminhar, falar com pessoas e comprar peixe e verduras”.

Recordemos os leitores: porque é que o cérebro é tão especial?
O cérebro é um órgão muito especial por dois motivos. Em primeiro lugar, é um órgão que não pode ser transplantado e não pode ser tratado, como acontece com os pulmões. É um órgão que temos desde que nascemos, com os mesmos neurónios. Em segundo lugar, é no cérebro que residem as nossas emoções, a nossa inteligência e a nossa capacidade para tomar decisões. É a parte do corpo que nos distingue, à nossa natureza e à nossa maneira de ser. É o que faz com que cada um de nós seja a pessoa que é.

No livro escreve que a longevidade que temos vindo a adquirir é, ao mesmo tempo, uma oportunidade e um desafio para o cérebro. Porquê?
Sabemos que o nosso cérebro está programado para viver uma série de anos. Cada vez mais vivemos mais anos e isso é uma oportunidade no sentido em que podemos aprender mais coisas e podemos desfrutar da vida durante mais tempo, coisa que antes não acontecia, numa altura em que ter 60 ou 70 anos era sermos anciães. No entanto, também é um desafio porque, a cada cinco anos que ficamos mais velhos, a cada cinco velas a mais que colocamos no nosso bolo de aniversário, duplicam as probabilidades de termos algumas doenças, pelo que é muito importante que sejamos responsáveis pelo nosso próprio cérebro. Ele é um órgão do qual temos de cuidar com muito carinho, com muito mimo, porque se não tomamos bem conta dele, estes anos a mais podem ser anos com pouca qualidade de vida. Se, ao contrário, cuidarmos bem dele, esses mesmos anos podem vir a ser anos de muita desfrute.

É no cuidado do cérebro que está a possibilidade de desfrutar da sua memória, da sua alegria ou do seu bem-estar físico, agora e durante mais tempo. A importância do cuidado do cérebro é tal que alguns países iniciaram campanhas nacionais de saúde cerebral ou planos estratégicos para prevenir o Alzheimer e a demência entre a terceira-idade.
(“Cuide do Seu Cérebro”, pág. 17)

A que tipo de perigos está, então, o cérebro sujeito?
Cuidar do cérebro não devia ser uma prioridade das pessoas mais velhas, mas sim das mais novas, por vários motivos. Em primeiro lugar, as pessoas que cuidam dos seus cérebros desde jovens têm menor risco de ter doenças quando são mais velhas, mas também porque se cuidamos do nosso cérebro enquanto somos jovens, desfrutamos de uma melhor memória, concentração e humor durante a vida. O principal inimigo que as pessoas jovens têm hoje em dia é o stress e a pressa. Sabemos que quando vivemos em stress, com demasiadas exigências e pressas, isso diminui a nossa capacidade de nos sentirmos bem e, além disso, erramos mais vezes na hora de pensar. As pessoas acreditam que quanto mais stress, melhor pensam sobre as coisas. O stress, as preocupações que vivemos quando temos 30 ou 40 anos, aumentam a nossa probabilidade de virmos a sofrer de doenças como o AVC e o Alzheimer. Entre as primeiras causas de morte nos países ocidentais, no ano passado, estava o AVC, os enfartes cerebrais. O curioso é que 80% dos enfartes cerebrais podem ser prevenidos se tivermos em conta algumas normas de saúde cerebral. É um tema que preocupa muitas pessoas, porque são muitas as que tiveram um pai ou um avô que morreu na sequência de um AVC. E também sabemos, no caso do Alzheimer, que uma boa saúde cerebral e bons cuidados podem atrasar a doença e, em alguns casos, esse atraso pode evitar que a doença apareça — pode atrasar durante tantos anos que morremos antes que alguma coisa aconteça. Cuidar do cérebro enquanto jovens ajuda a prevenir doenças relacionadas com a memória, e não só.

Entre os pacientes que têm um AVC encontramos pessoas de todas as classes sociais, profissões e idades. Abundam as que fumam e têm um elevado nível de stress, excesso de peso, colesterol ou açúcar no sangue. De facto, se tiver dois destes fatores de risco antes dos 40, a probabilidade de ter um AVC antes dos 80 anos é de 50 por cento.
(“Cuide do seu cérebro”, pág. 23)

Mas à partida pode parecer estranha a ideia de cuidarmos do nosso cérebro. As pessoas estão conscientes de que este é um ritual tão importante como escovar os dentes todos os dias?
Não, a verdade é que as pessoas não se preocupam com o cérebro porque este parece um órgão que resiste a tudo e que nos serve durante a vida toda. O cérebro cuida-se através da alimentação e do exercício físico, o que, por sua vez, ajuda a promover a descontração e a concentração. O cérebro cuida-se também através do sono. A verdade é que até há poucos anos os cientistas não sabiam como é que se cuidava de um cérebro. Sabíamos como cuidar dos dentes e da pele, mas sabíamos muito pouco sobre isso em relação ao cérebro.

Álvaro Bilbao é doutorado em Psicologia, é ainda neuropsicólogo e psicoterapeuta. © Divulgação

A “reserva cognitiva”, tal como escreve no livro, é uma das formas de cuidar do cérebro. Em que consiste e como é que esta pode ser trabalhada?
A reserva cognitiva é a acumulação de conexões neurológicas que fazem com que o nosso cérebro pense melhor, além de o protegerem do envelhecimento. O exemplo que dou sempre é o seguinte: imaginemos que temos dinheiro guardado no banco, se tivermos muito dinheiro — e aqui o dinheiro são os neurónios no nosso cérebro, as muitas conexões que criámos à base de estudos e de aprendizagens —, quando temos um problema económico podemos utilizar esse dinheiro para não passarmos mal, para não passarmos fome e para não termos de dormir na rua. Da mesma maneira, quando aprendemos muitas coisas, vamos guardando essa informação na forma de conexões neuronais, pelo que o nosso cérebro fica maior (à semelhança da nossa conta bancária). Essa reserva cognitiva permite-nos pensar mais rápido e de uma maneira mais eficiente. As muitas conexões que criamos podem ajudar-nos a proteger ou a atrasar certas doenças.

Sermos pessoas mais educadas, no sentido da cultura, é uma solução?
Sim, aprendermos mais coisas é uma solução. Há muitos anos que sabemos que ter mais níveis de estudos, como por exemplo ter passado pela universidade, é algo que nos protege face ao envelhecimento cerebral, mas hoje em dia também sabemos que outro tipo de atividades podem ajudar a construir a reserva cognitiva, como falar vários idiomas, ler livros e aprender coisas novas ou viajar. Não é preciso ser-se um académico ou ter estudos universitários, o mais importante é que sejamos pessoas curiosas, que estejamos sempre dispostas a aprender coisas novas.

E estamos sempre a tempo disso?
Sim, durante toda a vida podemos criar novas conexões neurológicas. Todos os dias criamos novas conexões, portanto qualquer pessoa, em qualquer idade, pode aumentar a sua reserva cognitiva.

E o que devemos e podemos comer para promover a saúde mental?
Essa é outra área muito importante. A nutrição “neurossaudável” compreende os alimentos que pensamos serem os mais saudáveis para o cérebro. Nesse sentido sabemos que 60% do cérebro é composto por matéria gorda e, por isso, é muito importante introduzir gorduras “neurossaudáveis”, que não sejam saturadas ou hidrogenadas. O melhor são as gorduras do tipo ómega 3, que estão contidas em frutos secos ou no peixe azul. Também é muito importante ter os níveis de energia estáveis, para que tenhamos um estado mental equilibrado durante todo o dia. Para estarmos concentrados durante um largo período de tempo convém introduzir hidratos de carbono complexos em vez de açúcares refinados. As vitaminas e os minerais também são muito importantes — nesse sentido, as frutas e as verduras são essenciais (graças às vitaminas e aos minerais construímos, por exemplo, os neurotransmissores que são a principal fonte de bem-estar emocional). É ainda importante reduzir as proteínas que vêm acompanhadas de gorduras pouco saudáveis, como as carnes vermelhas, sendo preferível consumir proteínas provenientes do pescado e de carnes com pouca gordura ou de carnes brancas.

Há algo que não possamos comer ou beber?
Sim, sabemos que há certos alimentos que são prejudiciais ao cérebro e, nesse sentido, tudo o que são alimentos com grandes quantidades de açúcar podem favorecer a aparição de diabetes, mas também fazem com que o cérebro funcione de uma forma mais irregular. Dito isto, os doces são muito prejudiciais, bem como os alimentos com muita gordura (ou com gorduras de má qualidade, incluindo gordura animal ou saturada). Eu defendo que as pessoas podem comer um pouco de tudo, mas sempre com moderação. Sabemos que um copo de vinho pode contribuir para favorecer a circulação do sangue, mas também sabemos que muito álcool pode ser prejudicial e pode contribuir para o aparecimento de cancro. O mesmo para o café e para o chocolate, que têm antioxidantes, mas não convém ingeri-los em grandes quantidades. Outros alimentos prejudiciais são aqueles que têm corantes ou conservantes. É sempre melhor comer produtos frescos.

Outro tópico mencionado no livro é a questão do sono. Há pouco tempo entrevistámos Arianna Huffington, fundadora do jornal Huffington Post e autora do livro “A Revolução do Sono”. Ao Observador, Huffington disse que a “a privação de sono é uma epidemia global”. Concorda?
Totalmente. Sabemos que o sono é um dos fatores de proteção do cérebro, um dos mais importantes — o exercício físico é ainda mais importante. Mas o sono é, muito provavelmente, o fator onde mais nos descuidamos. Desde que apareceu a luz elétrica, no século XIX, temos vindo a roubar horas ao sono, de tal maneira que o ser humano dorme cada vez menos horas (e as crianças também). Estamos a ver adolescentes de 16 anos que, em vez de dormirem nove ou 10 horas todos os dias, estão a dormir cinco ou seis. Isto é muito prejudicial para o cérebro porque, quando dormimos, ocorrem duas coisas muito importantes. A primeira coisa é que armazenamos informação na memória de longo prazo — o ato de dormir é uma forma de armazenar informação, pelo que se quisermos ter uma boa memória, é fundamental dormir muito. Outra coisa é que, quando dormimos, o nosso cérebro ativa o nosso sistema imunológico, que tem como missão reparar o cérebro e eliminar todas as toxinas que se acumularam durante o dia — devido à poluição, aos corantes e aos conservantes na comida –, mas também elimina as substâncias que produzem o próprio stress. O ato de dormir tem a função de reparação.

Socializar é uma atividade essencial na proteção do cérebro face à passagem do tempo, bem como no atraso do aparecimento de doenças neurodegenerativas como o Alzheimer. Sabemos que as pessoas mais longevas do mundo vivem rodeadas de seres queridos e costumam proceder de comunidades onde a relação entre os seus membros é próxima.
(“Cuide do seu cérebro”, pág. 147)

Escreve ainda que a relação com outras pessoas é também fundamental para cuidar do cérebro.
Sim, sabemos que as sociedades no sul da Europa têm um fator de proteção face ao envelhecimento cerebral, que são as relações sociais. Quando estamos a conversar com outras pessoas, quando nos sentimos unidos à nossa família, aos nossos amigos e aos companheiros de trabalho, isso reduz os níveis de stress e os níveis de ansiedade, e permite-nos exercitar a mente. Quando conversamos com outras pessoas estamos a realizar uma ação cerebral muito complexa.

Outra ideia interessante no livro é o facto de existirem diferenças entre o cérebro masculino e feminino. Isso pode ajudar a explicar o motivo por que, por vezes, homens e mulheres não se entendem?
Os cérebros do homem e da mulher não são assim tão diferentes, mas ao nível científico há diferenças claras, apesar de não serem assim tão grandes. Sabemos que as mulheres têm mais 200 milhões de neurónios na área da linguagem, isso implica que as mulheres têm mais vocabulário e melhor memória verbal. As mulheres também têm tendência a comunicar mais com os dois hemisférios [direito e esquerdo], de tal maneira que podem relacionar mais vezes o mundo racional com o emocional. É por isso que, quando uma mulher tem um problema, muitas vezes tende a ligar a uma amiga, à mãe ou à irmã, uma vez que as mulheres tendem a resolver os problemas em sociedade, de uma maneira mais social. Já os homens quando têm um problema, racionalizam as coisas de forma solitária. Quando uma mulher tem um problema e o conta ao marido, o marido pensa e dá uma solução, e a mulher sente-se sozinha porque acha que o marido não a escutou. Mais, as mulheres vivem em média mais cinco anos do que os homens e isso faz com que o seu cérebro seja mais vulnerável a algumas doenças.

Que tipo de perguntas ouve mais vezes?
Muitas pessoas perguntam que tipo de exercícios podem fazer para cuidar do cérebro. Perguntam sempre pelos “sudokus” e pelos quebra-cabeças. Na verdade sabemos que estes exercícios não são os mais importantes para o cérebro. Sabemos, sim, que fazer exercício é muito importante, provavelmente o mais importante que podemos fazer: quando caminhamos estamos a oxigenar o cérebro e estamos a fortalecer a relação entre o cérebro e o coração. Em vez dos quebra-cabeças, o melhor é sair à rua, caminhar, falar com pessoas e comprar peixe e verduras. Os exercícios mentais que ajudam o cérebro, que ajudam a criar uma reserva cognitiva, são aqueles que são interessantes, difíceis e novos.

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