Afinal, a quem mente muito não custa mentir. Aliás, quanto mais mentem, mais facilidade têm em ser desonestos, permitindo que o que começou por uma pequena transgressão se transforme numa aldrabice gigante, sem que se sintam mal por isso.
E eu que andava aqui cheia de pena do pobre Centeno, imaginando-o num sofrimento indizível sempre que repete que a dívida está controlada, condoída pela agonia de António Costa a jurar que a austeridade acabou com a mesma cara com que anuncia novos impostos, já para não falar nos que nos asseguraram um crescimento fantástico e mais investimento, para agora nos virem dizer que tanto faz.
Como tive a ingenuidade de acreditar que aqueles senhores que andaram a fazer campanha pelo Brexit, anunciando poupanças incalculáveis com a saída da Europa, andassem agora por aí de mão no estômago, à conta da úlcera.
Mas, afinal, andei a sofrer em vão. Pelo menos é o que indica a investigação levada a cabo por uma equipa da University College of London, publicada na Nature Neuroscience com o título de “O cérebro adapta-se à desonestidade” (que plagiei para título desta crônica). A experiência foi conduzida em 80 voluntários, dos 18 aos 65 anos, que deixaram que os seus cérebros fossem “fotografados” por ressonância magnética funcional (fMRI), enquanto se envolviam num sofisticado “jogo” que incluía enganar (ou não) um parceiro de equipa.
Ao que parece, o incômodo desagradável que a mentira provoca traduz-se numa ativação da amígdala (estrutura do cérebro), mas a novidade é que esse impacto se vai desvanecendo com a repetição, mesmo quando a cada conto se lhe acrescenta um ponto. Ou seja, o cérebro habitua-se, facilitando a mentira. Mais ainda, o limiar varia de pessoa para pessoa, e a partir da forma drástica com que baixa a atividade na área, ou seja, através da análise do historial do comportamento mentiroso, será possível prever a magnitude da desonestidade seguinte.
Orgulham-se os investigadores de terem revelado o mecanismo biológico que suporta o “slipery slope” – a escalada de pequenas desonestidades a transgressões maiores – atribuindo-o a um processo de “adaptação emocional”.
Mas se a todas as mentiras está subjacente a ideia de ganho – neste caso um ganho material -, pelos vistos aldraba-se com menos escrúpulos quando se imagina que os proventos beneficiarão também terceiros. Como se o “altruísmo” justificasse a desonestidade.
O que explicaria também, digo eu, a aparente à vontade com que muitos políticos mentem, certos de estarem assim a ajudar o governo de que fazem parte, o partido em que militam, ou até o bom povo que só ganha em ser mantido na ignorância.
Contudo, se o estudo conclui que a repetição é o segredo do mentiroso, dessensitizando-o, houve quem viesse avisar contra o perigo de generalizar o resultado de uma experiência de laboratório. Sem porem em causa o resultado, afirmam que no dia a dia não há oportunidade de mentir àquela velocidade, impedindo um desgaste tão rápido do incómodo provocado pela desonestidade. Seguramente estão certos, mas será que têm ligado a televisão ultimamente?