Com dificuldade para controlar as próprias ações, o jornalista Charles Duhigg pesquisou como os hábitos nascem e descobriu a receita para transformá-los
Desde seu lançamento, em 2012, o livro “O Poder do Hábito”, de Charles Duhigg, é um fenômeno internacional. Já são mais de 60 semanas na lista dos mais vendidos do New York Times e 80 na lista de VEJA, com mais de dois milhões de exemplares vendidos no mundo. A premissa do autor é simples: mais de 40% das nossas ações cotidianas – o que comemos, como nos exercitamos, como nos relacionamos com o trabalho e com as pessoas – são, na verdade, automáticas. Movido pelo desejo de transformar a incômoda (e pouco saudável) mania de comer um cookie todos os dias no trabalho, Duhigg, repórter vencedor do prêmio Pulitzer de 2013, mergulhou na ciência da formação dos hábitos e apresentou sua descoberta: é possível transformá-los. Dias antes de sua palestra na Bienal do Rio, o autor falou à VEJA sobre o tema.
O que é, exatamente, um hábito? Hábitos são ações que começam com uma decisão e, conforme são repetidas, tornam-se inconscientes. É uma forma de o cérebro poupar energia e não se esforçar tanto para tomar decisões rotineiras. Por exemplo, aprender a estacionar um carro é bastante trabalhoso no início. Não estamos acostumados a olhar o retrovisor, calcular a distância entre o carro e a calçada, checar o espaço à frente, calcular a força do acelerador, etc. Se você consegue fazer tudo isso automaticamente, é porque já virou um hábito. O curioso é que cerca de 40% das nossas ações cotidianas não são conscientes. Funcionamos boa parte do tempo no piloto automático. O importante para mudar um hábito é entender que ele tem três partes: há uma “deixa” ou “gatilho”, algo que desperta a ação; a rotina, que é o comportamento em si; e a recompensa – a sensação de satisfação que o cérebro experimenta após cumprir a tarefa a que está habituado.
A partir desse esquema, como é possível mudar um hábito? Uma vez que se define qual é a deixa e a recompensa, é possível substituir o comportamento que se tornou um hábito. Soa simples, mas pode ser bem trabalhoso. A deixa, na maioria dos casos, é bastante óbvia. Pode ser um horário do dia, ou o contato com uma pessoa, etc. A recompensa, por outro lado, pode estar ligada à fatores emocionais mais “profundos”. Minha dica é fazer experimentos. Pegue o meu hábito do cookie, por exemplo. Eu queria identificar se eu o executava por fome – e, neste caso, um outro lanche resolveria o problema -, se precisava apenas de uma pausa no trabalho ou se era uma desculpa para conversar com meus amigos na cafeteria. Acabei percebendo que alguns minutos conversando na mesa de um colega satisfaziam minha Se fosse a necessidade da pausa, um passeio pelo quarteirão seria uma alternativa. E assim por diante.
É possível mudar comportamentos mais profundos – como insegurança, depressão ou ansiedade – usando essa teoria? Sim, perfeitamente. Há uma vasta literatura da psicologia, especialmente na área da terapia cognitivo-comportamental, que afirma que muitos dos nossos comportamentos negativos são regidos por hábitos. Se eu sofro de baixa autoestima, por exemplo, pode ser porque tenho um hábito mental de dizer a mim mesmo que não sou bom o suficiente. Se sou tímido, posso ter cultivado o hábito de não assumir riscos. Olhar para as deixas e recompensas que guiam esses comportamentos é uma maneira de começar a alterá-los. Muitas vezes, a manutenção da zona de conforto já é uma gratificação. Um cara que tem medo de conversar com uma mulher bonita no bar provavelmente vê a garantia de não levar um fora como recompensa. Para mudar este hábito, terá que se convencer de que o “não” não é o fim do mundo.
Há algum hábito ruim que seja muito comum neste século? O aumento da tecnologia faz com criemos hábitos em torno delas. Vide o vício nos smartphones, por exemplo. Há pesquisas científicas que mostram que as pessoas estão refletindo menos sobre os assuntos, por falta de tempo para se aprofundar ou mesmo para divagar. Nossa atenção é tomada por diversos conteúdos rápidos, que não demandam muito raciocínio, mas, ao mesmo tempo, também não nos deixam descansar. Isso é uma consequência do hábito de acompanhar diversas redes e portais ao mesmo tempo.
O que pode estar por trás dele? Pode ser um desejo por diversão e novidade ao longo de um trabalho monótono ou, no caso das redes sociais, uma necessidade de controle sobre o que acontece. Pode até mesmo ser uma dependência da aprovação social via “curtidas” ou comentários. Entretanto, é importante ressaltar que os hábitos não são bons nem ruins em sua raiz. Criar o hábito de entrar no Facebook pode ser benéfico para alguém que vive longe da família ou trabalha com mídias sociais.
É possível mudar um hábito sem fazer esforço? Às vezes, sim. Sabe-se que quando as pessoas saem de férias, conseguem alterar hábitos bastante arraigados quase inconscientemente, porque suas antigas deixas vão embora. Mudar de ambiente é uma maneira de acelerar uma transformação. Tentar parar de fumar durante as férias, por exemplo, pode ser mais fácil. Entretanto, como nem sempre é possível se afastar da rotina para mudar hábitos problemáticos, minha dica é focar na recompensa. A força que o cérebro tem para transformar seus padrões está diretamente relacionada ao poder da gratificação