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A maratona para pôr fim à má nutrição no mundo

A maratona para pôr fim à má nutrição no mundo

Como corredor entusiasmado que sou, estou muito animado de estar no Rio de Janeiro esta semana para o início dos Jogos Olímpicos de 2016. Mas não estou aqui para aproveitar o clima que lembra o do Carnaval ou para torcer para o meu país, a Etiópia.

fome

 

Na verdade, estou participando de outro grande evento que acontece no Rio. Na véspera da Cerimônia de Abertura, líderes globais se reuniram na Casa Brasil para o evento Nutrição para o Crescimento (Nutrition for Growth – N4G) – um momento chave e uma oportunidade importante para ajudar a resolver um problema do tamanho de uma Olimpíada: a má-nutrição infantil.

Estou particularmente empolgado em participar de um evento organizado pelo governo do Brasil, pois este é um país que melhorou significativamente seus indicadores de segurança alimentar e nutrição nas últimas décadas. A experiência brasileira mostra que compromissos políticos de longo prazo podem se transformar em resultados reais.

Os índices de atraso no crescimento infantil foram reduzidos de 19% para 7% entre 1989 e 2007, enquanto a taxa de aleitamento materno exclusivo entre bebês abaixo dos seis meses de vida pulou de 2% em 1986 para 39% em 2006.

Com todos os países alinhados em torno de metas globais ambiciosas – incluindo o objetivo de acabar com todas as formas de má-nutrição até 2030 – o que podemos aprender com o Brasil para alcançar resultados globais?

O recém-lançado Relatório Mundial sobre Nutrição 2016 detalha bem o compromisso político do Brasil em nutrição, mas há algumas razões específicas para o sucesso do país nesta área. Elas incluem o aumento de renda das famílias mais pobres, pressões de movimentos sociais da sociedade civil para acabar com a fome, mecanismos para coordenar planos e atividades de diferentes departamentos de governo, o uso de dados e de evidência científica para direcionar esforços e a criação de uma legislação que protege a população contra o marketing dos substitutos do leite materno.

Muitos países do mundo agora têm planos para melhorar seus indicadores de nutrição – e alguns deles inclusive se espelham na experiência brasileira. Mas ainda estamos muito longe de atingirmos nossas metas coletivas.

Mais de metade das seis milhões de mortes anuais entre crianças com menos de cinco anos de idade são causadas por uma alimentação deficiente; uma em cada quatro crianças com menos de cinco anos no mundo apresenta atraso de crescimento – o que tem implicações para seu desenvolvimento psicológico e cognitivo – e uma em cada nove pessoas no mundo ainda passa fome.

Sabemos que investir em nutrição dá resultado. Cada dólar investido em programas que já se provaram efetivos gera 16 dólares de retorno financeiro. Mesmo assim, ainda se gasta pouco nesta área.

No evento Nutrição para o Crescimento (Nutrition for Growth), que acontece hoje no Rio de Janeiro, o Brasil será o anfitrião e receberá representantes de governos, organizações internacionais e da sociedade civil.

Esse encontro serve como o ponto de partida para uma segunda fase da iniciativa Nutrição para o Crescimento, na qual serão firmados novos e sólidos compromissos políticos e financeiros em nutrição e que culminará com uma cúpula global a ser realizada em 2017.

Um maior investimento em nutrição é urgentemente necessário se quisermos ampliar as ações para alcançar os objetivos estabelecidos no combate à fome e efetivamente conseguir avanços capazes de salvar vidas e melhorar economias.

A organização que eu represento, a Visão Mundial, fez um compromisso financeiro na primeira edição do Nutrição para o Crescimento, em Londres em 2013, evento que foi organizado pelos governos do Reino Unido e Brasil.

Na ocasião, nos comprometemos a gastar quase 1,2 bilhões de dólares em intervenções específicas na área de nutrição, como suplementações de micronutrientes, programas de amamentação e políticas de combate à subnutrição severa. Essas ações também englobam componentes de nutrição em nossos programas de agricultura e de desenvolvimento econômico.

Nossas experiências ao redor do mundo alimentam a nossa convicção de que nós podemos e temos o dever de trabalhar por um mundo livre da fome e da má nutrição.

Estamos investindo em programas como o “Clube de Nutrição” no Vietnã, que conecta famílias a oportunidades relacionadas a nutrição, saúde, agricultura e meios de subsistência. Até agora o programa já foi estendido para 1.250 vilas em áreas rurais e montanhosas de 12 províncias.

Estamos ajudando a melhorar indicadores nutricionais em alguns dos lugares de mais difícil acesso do mundo. Em 2015, a Visão Mundial trabalhou com ministérios da Saúde de 12 países, incluindo Afeganistão e Paquistão, para tratar mais de 150 mil crianças com menos de cinco anos que corriam risco de morte por subnutrição severa. Durante o mesmo período, levamos programas de alimentação suplementar a cerca de 60 mil grávidas e mulheres em período de aleitamento em sete países.

Além disso, estamos preparando a próxima geração do movimento social no Brasil com o objetivo de empoderar crianças e jovens. No Brasil, isso significa apoiar uma iniciativa chamada MJPOP (Monitoramento Jovem de Políticas Públicas) que prepara jovens para liderar processos políticos em suas comunidades. Eles são treinados para identificar problemas e trabalhar junto com moradores locais.

O objetivo é avaliar a disponibilidade e qualidade dos serviços e preparar um plano de ação em conjunto com o governo e outros atores sociais. O trabalho do MJPOP, que reúne mais de mil adolescentes e jovens de 30 cidades no país, já gerou impactos nas áreas de saúde e nutrição, educação, proteção infantil e saneamento básico.

A multidão presente no Rio esta semana nos mostra que milhares de pessoas são necessárias para realizar um evento como as Olimpíadas. Os Jogos Olímpicos seriam um fracasso se, por exemplo, os atletas, ou responsáveis pela construção dos estádios, ou ainda membros do governo municipal se recusassem a colaborar. A mesma coisa vale para o esforço de pôr um fim à fome e à má nutrição.

Eu espero e rezo para que, sob a liderança do Brasil, os governos e outros atores envolvidos aproveitem a oportunidade de ouro do evento Nutrição para o Crescimento e a cúpula global que acontecerá em 2017 para dar passos largos nesta maratona tão necessária para acabar com a má nutrição e construir um mundo livre da fome.

* Dr. Mesfin Teklu é o Vice Presidente de Saúde e Nutrição da Visão Mundial Internacional. Ele tem mais de 20 anos de experiência nas áreas de saúde pública, nutrição e assistência humanitária.

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