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Nossa maluquez: conheça cinco transtornos modernos

Nossa maluquez: conheça cinco transtornos modernos

Ficar sem celular, buscar corpo perfeito, invejar diversão alheia, trabalhar à exaustão e jogos virtuais estão entre as manias

POR NATASHA MAZZACARO

Neurótico moderno – André Mello / Agência O Globo

A Revista O GLOBO adverte: a leitura desta reportagem pode provocar coceira, bolinhas vermelhas e ziquizira. Se persistirem os sintomas, os conselhos de um médico, uma benzedeira ou um amigo podem vir a calhar. Porque sim, temos mais conforto, estamos mais conectados e podemos sair por aí nos divertindo ao caçar pokémons no meio da rua. Mas, por outro lado, estamos sofrendo, sem nem perceber, as consequências e as cobranças de uma vida ligada a 220 volts.

E nem pense que este texto é sobre depressão, ansiedade, estresse ou síndrome do pânico. Estamos falando de transtornos muito mais esquisitos, frutos do século XXI, como vigorexia, nomofobia, fomo, burn out e Google effect, por exemplo.

Agora, um aviso: se você é do tipo hipocondríaco, que acha que sofre de tudo o que lê, saiba que corre um sério risco de se tornar também cibercondríaco — aquele indivíduo mais que proativo, que não espera um diagnóstico. Ele procura a mazela no Google. E, convenhamos, se este enfermo em questão não for médico, nada bom pode sair disso. Para estes, realmente, desaconselhamos as páginas a seguir.

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Jogos, cibercondria e Google effect

A internet e os seus

Prozacs virtuais

O que fisga o seu cérebro – André Mello / Agência O Globo

Há seis anos, a Coreia do Sul tentou instaurar a chamada Lei da Cinderela, espécie de toque de recolher para adolescentes, proibindo da meia-noite às 6h os jogos virtuais. Estava formado o pandemônio: crianças abriram o berreiro, adolescentes fizeram “esquemas hacker” para dar suas tecladelas por meio de servidores ocidentais, companhias ameaçaram bloquear todas as contas, e os pais processaram o governo em nome da tão prezada liberdade de jogar. Mas por que um país que tem o videogame tão enraizado na cultural nacional — por lá, partidas são exibidas em canais abertos, em horário nobre, fazendo de alguns jogadores ídolos da pátria — queria tomar um atitude tão impopular? Bom, cerca de 90% dos sul-coreanos têm internet banda larga, o que, consequentemente, criou um problema de saúde pública. Não é um caso isolado. Na mesma época, na China, havia dez milhões de viciados em internet e 400 centros de reabilitação.
Depois de oito minutos jogando, o cérebro começa a fabricar doses consideráveis de dopamina – André Mello / Agência O Globo
O psicólogo Cristiano Nabuco, que coordena o Núcleo de Dependências Tecnológicas da USP, ajuda a entender. Ao nos conectarmos, nosso cérebro reage de forma semelhante ao de alguém que consome algum tipo de droga. Sabe-se que, depois de oito minutos, uma dose considerável de dopamina — neurotransmissor ligado à sensação de prazer — começa a ser liberada. Este é o aspecto bioquímico. Mas há ainda o psicológico.

— À medida que você se envolve, buscando essa sensação renovada de euforia, você se anestesia dos aspectos negativos do seu entorno. É um Prozac virtual. A pessoa consegue ser alguém que não pode ser na vida real, então se isola. É um mundo paralelo, movido a doses de dopamina na veia de oito em oito minutos. Tenho paciente que fica 60 horas sem sair do computador.

Por esses motivos, o jornalista de tecnologia Carlos Alberto Teixeira, do GLOBO, preferiu passar longe da onda do Pokémon Go. Há alguns anos, ele já havia sido fisgado pela Ingress, um outro jogo de realidade aumentada. Depois de sair do trabalho, resolveu jogar algumas horas antes de ir para casa. Não deu outra, cansado, chocou o carro contra outro veículo, numa batida bem real.

— Foi aí que eu percebi que estava viciado. Você comeca a ver coisas. Quando vi, estava andando de Niterói até a Cidade Nova, no Rio, para jogar. Teve briga, assalto e até morte por atropelamento por causa do Ingress — lembra.

Quer mais? Dos problemas desta geração internet, ainda há o sleep texting (sonâmbulo que responde mensagens e até faz compras pela internet), o cibercondríaco e o Google effect, que deixa o nosso cérebro mais “preguiçoso”. Confiamos que iremos achar qualquer coisa na internet, então não retemos mais as informações.

— A consolidação da memória acontece à noite, quando o organismo desacelera, liberando melatonina. Quando você fica no computador até tarde, as células dos olhos mandam informação de que ainda há luz. Por isso, seu corpo não consegue entrar no sono profundo, o REM, em que se consolida tudo o que você aprendeu.

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NOMOFOBIA

ALICES NO PAÍS DO

WHATSAPP

Você, provavelmente, já ouviu falar do médico russo Ivan Pavlov — cujos cachorros, acostumados a ouvir uma sineta ao ser alimentados, começavam a salivar toda vez que ouviam o barulhinho, estando o prato cheio ou não. Pois bem, cem anos depois dessa experiência, pode-se afirmar que os nossos celulares viraram grandes bifes suculentos, enquanto nós, seres humanos modernos, viramos cães insaciavelmente gulosos. Basta ouvir um “pim” vindo do aparelho para interromper o que estamos fazendo e checar nossos telefones, como totós esperando por um biscoitinho. Trata-se de um reflexo condicionado, explica o psicopedagogo Eugênio Cunha, mestre em Tecnologia da Informação e Comunicação.

A falta de celular provoca até síndrome do toque fantasma – André Mello / Agência O Globo

— É um sistema de recompensa. Ficamos o tempo todo checando o celular, na esperança de um novo compartilhamento, de uma mensagem, de um post. O cérebro recebe uma gratificação química e vivemos nessa expectativa. Vira vício.

E este vício já tem nome e desdobramento: nomofobia ou medo de ficar sem celular. Traduz-se por aquele indivíduo que entra em pânico ao perceber que o telefone vai ficar sem bateria, crédito ou sinal. Isso porque o homem moderno criou uma relação de dependência com o dito-cujo: seja para pagar contas, checar o trânsito, ver o horário do cinema, tirar uma foto ou até, quem diria, telefonar. Sem este dispositivo, nos sentimos, mais ou menos, quando a luz acabava e não sabíamos o que fazer. Pois bem, o nomofóbico sente tudo isso, mas em outro nível, expresso por um terror irracional.

— Ninguém quer voltar para o mundo analógico, mas nem todos estão preparados para a dependência digital. Existe até a Síndrome do Toque Fantasma. Não tem gente que perde a perna e relata sentir dor naquele membro? Da mesma forma, algumas pessoas sentem o celular vibrando e só então se dão conta de que não estão com o aparelho ligado ou por perto. Gera uma obsessão — diz o professor.

No Brasil, não há pesquisas para mensurar o tamanho do problema. Mas nos Estados Unidos, sim. Que rufem os tambores: segundo o Pew Research Center, 55% dos americanos usam o celular no carro; 35%, no cinema; 33%, num encontro romântico; 19%, na igreja; 12%, no chuveiro (!); e, pasmem, 9% sacam o celular enquanto fazem sexo.

O ator Álamo Facó está longe de ser nomofóbico — para provar, há que se registrar que ele só atendeu à ligação para esta entrevista na quarta tentativa. Há alguns anos, porém, uma certa dependência chegou a incomodá-lo.

— Estava no meio da terapia quando chequei o telefone pela terceira vez — conta rindo, sem neura. — Percebi que estava indo longe demais quando sonhei que vivia no mundo do WhatsApp. Hoje, desligo o wi-fi da casa inteira antes de ir para a cama.

 

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VIGOREXIA

BARBIES E KENS

HUMANOS

Se o Narciso da mitologia grega vivesse nos dias de hoje, provavelmente não teria definhado, apaixonado pela própria imagem refletida na lagoa de Eco. Em 2016, o rapaz teria se olhado no espelho e pensado: “Não gostei. Este abdome poderia estar mais durinho.” Não que o Narciso contemporâneo estivesse mais feio. O problema é que ele se veria de forma diferente. Diversas pesquisas feitas mundo afora apontam que, não importa o sexo, todos se veem de uma maneira que não corresponde à realidade.

Segundo a antropóloga Mirian Goldenberg, homens tendem a se enxergar menores (tórax, perna, pênis), enquanto as mulheres se veem maiores – André Mello / Agência O Globo

E há até um certo padrão nisso. A antropóloga e professora da UFRJ Mirian Goldenberg explica que os homens tendem a se enxergar menores (tórax, perna, pênis), enquanto as mulheres se veem maiores.

— De certa forma, isso é até positivo. Se você observar as pessoas que são muito seguras, autoconfiantes, elas também são desagradáveis no convívio. Uma certa dose de insegurança faz até bem. O problema é quando vira patológico e dificulta as relações, te impedindo de viver plenamente — diz ela.

Esta patologia em questão se chama vigorexia ou dismorfia corporal. Encaixam-se nesta definição tanto as pessoas que fazem dezenas de cirurgias plásticas (a ponto de o paciente ficar deformado), como as Barbies e Kens humanos que surgem vez por outra, quanto aquelas pessoas aficionadas por músculos que fazem uso de subterfúgios pouco ortodoxos para ficar fortonas.

O psicólogo Thiago Amaro Machado, do Hospital Albert Einstein, frisa que os padrões mudam de tempos em tempos e de país para país. Nos anos 1950, as mulheres tinham que ter quadris largos; nos 1990, peitos grandes. Enquanto na Argentina as moças são magérrimas (há muito mais casos de anorexia entre nossas hermanas), no Brasil, os jovens saem à procura de músculos definidos. Segundo o psicólogo João Oliveira, malhadores desenfreados também entram nesse quesito.

— Tenho uma paciente que, se ficar sem fazer atividade física, tem taquicardia. Quando viaja, acorda às 4h para se exercitar. Ela chegou a ser atropelada enquanto andava de bicicleta. Seu corpo criou uma dependência de endorfina — enumera o psicólogo.

Mirian argumenta que a paciente em questão não tem culpa no cartório. É um padrão importado de fora, somado a inúmeras facilidades. O Brasil é, por exemplo, o primeiro em cirurgias plásticas, venda de tintura loura para cabelo e remédio para emagrecer.

— Há 20 anos, perguntávamos: “Por que você vai fazer cirurgia?” Hoje, é: “Por que você não faz cirurgia?” O que ajuda muito é pensar que todo mundo sofre pelas mesmas coisas. Quando você descobre isso, é libertador. Você começa a rir do seu “fracasso” — diz a antropóloga.

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BURN OUT

MACONHA

EMBURRECE MENOS

Imagine que, após um longo dia de trabalho, seus neurônios resolvam cruzar os braços, entrar em greve e dizer: “Chega, não aguentamos mais.” É quase isso que acontece na síndrome de burn out, nome utilizado pelos especialistas para denominar o esgotamento (físico e/ou mental), provocado, na grande maioria das vezes, por excesso ou más condições de trabalho. Pois bem, no Brasil, ocorrem tantos piquetes cerebrais que estamos virando praticamente a França nessa seara neurossindical.

Burn out tem taxas recorde no Brasil – André Mello / Agência O Globo

A psicóloga Ana Maria Rossi, presidente do International Stress Management Association (Isma-BR), que faz pesquisas sobre o tema desde 2005, diz que o Brasil é um dos campeões em casos de burn out. Segundo a pesquisadora, 72% dos brasileiros economicamente ativos estão estressados (na Inglaterra, são 70%). Deste bolo, 32% apresentam algum nível de esgotamento, contra 24% dos Estados Unidos. E a situação fica ainda mais preocupante quando se sabe que o índice subiu 2% de 2014 para cá.

— Acho que este número é tão grande porque nunca houve uma situação de tanta incerteza, de condições tão ruins de trabalho, de demissões em massa, como agora. Observamos um aumento de casos de depressão e de crises de pânico provocadas por estresse — diz Ana Maria.

O quadro sintomático se caracteriza por exaustão, ceticismo (insensibilidade com outros) e ineficácia (produtividade baixa). Por isso, pessoas que sofrem da síndrome tendem a trabalhar cinco horas a mais por semana — elas precisam refazer a mesma tarefa várias vezes.

E convenhamos, estressados ou não, já está bem difícil de se concentrar. Uma pesquisa da Universidade de Harvard provou que se você está escrevendo, falando ao telefone e olhando WhatsApp, ou seja, fazendo três tarefas ao mesmo tempo (quem nunca?), seu quociente de inteligência (QI) baixa de cinco a sete pontos. Só para se ter uma ideia, fumar maconha faz o QI descer quatro pontos. Ou seja…

— Ficamos burrinhos — conclui com uma risada a psicanalista Sofia Bauer. — Tenho duas premissas. A primeira é a de que menos é mais. Nossa cultura é a do “no pain no gain” (sem dor, sem ganho), mas não é bem assim que funciona. É melhor trabalhar menos tempo, mas mais focado. E a segunda é a meditação. Outro estudo de Harvard descobriu que ela aumenta a atividade do córtex pré-frontal esquerdo, responsável pela concentração. Cinco minutos bastam — prega.

Então, se os seus neurônios estiverem organizando um motim, lembre-se das dicas: desligue alertas de Facebook e WhatsApp (você leva dez minutos para voltar a se concentrar) e faça pausas de dez minutos a cada duas horas.

Sinto informar, caro leitor, que você foi ludibriado. A grama do vizinho é, certas vezes, realmente mais bonita. Mas digamos que ele só mostre a parte da frente do jardim, com suas florzinhas e abelhinhas saltitantes? E a de trás é um vasto terreno infértil, cheio de entulhos de 1916? Esta metáfora primaveril se aplica como uma luva de jardineiro às redes sociais.

Fomo é o “famoso medo de ficar de fora”, tão presente nas redes sociais – André Mello / Agência O Globo

Somos bombardeados o tempo todo com o jantar do fulano no Instagram, a viagem do beltrano no Facebook, a festa do sicrano do Snapchat. E você em casa, de pijama…

O que não pensamos é quando fulano, beltrano e sicrano vestem seus respectivos pijamas para ficar no sofá. Afinal de contas, como lembra a psicóloga Ana Maria de Albuquerque Lima, ninguém (ou quase ninguém — a cantora Miley Cyrus, por exemplo, posta fotos fazendo depilação e xixi) exibe na internet o seu lado entediante. Por isso, achamos que estamos sempre perdendo alguma coisa. É o que os especialistas definem como Fear of Missing Out (Fomo) ou medo de ficar de fora.

A antropóloga Mirian Goldenberg lembra que todas as pesquisas que medem o grau de felicidade das pessoas apontam dois quesitos fundamentais para a tristeza: comparação e falta de econhecimento. E adivinhe o que as redes sociais mais evidenciam?

— Há alguns anos, você se comparava com pouquíssimas pessoas: cunhada, prima, vizinho. Hoje, o que era distante se tornou próximo, e a ideia de reconhecimento e de aprovação vem dos likes do Facebook — diz.

Mirian lembra de outra pesquisa relacionada à felicidade. Ofereceram R$ 15 mil a quem ganhava R$ 10 mil. Assim, estaria equiparado a quem tinha o salário mais alto. Para surpresa dos estudiosos, o candidato preferiria ganhar menos, R$ 11 mil, se a remuneração do restante fosse diminuída para R$ 10 mil. É um ganho subjetivo: o de ser superior.

Para Cristiano Nabuco, do Núcleo de Dependências Tecnológicas da USP, a opinião dos outros é o que importa. E obter aquele tão sonhado reconhecimento social gera um processo de estresse e de ansiedade:

— Isso explica por que quase 90% das fotos postadas nas redes sociais são retocadas. É como se o indivíduo tentasse calibrar o que tem de melhor para mostrar para os outros. Quanto maior o número de postagens, maior é a necessidade de aprovação. O cruel é que, às vezes, o sujeito erra na mão, provocando o efeito que justamente desejava evitar: vira um chato, e as pessoas passam a evitá-lo.

Depois disso, haja fertilizante para deixar a tal grama mais bonita…

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