src="https://cdnjs.cloudflare.com/ajax/libs/reading-time/2.0.0/readingTime.min.js
Eu não vou com a sua cara !

Eu não vou com a sua cara !

Estudos, teses e pesquisas ligadas ao comportamento humano, comprovaram que, o que vemos (gostando ou não) nos outros, é reflexo de nossa própria personalidade. Por essa razão, existe uma máxima que diz o seguinte: quer conhecer uma pessoa? Peça a ela para falar sobre alguém.

.

antipatia

Você já ouviu (ou proferiu) frases do tipo: eu não fui com a cara desse sujeito; nossos santos não bateram; eu achei muito antipática; não me passou uma boa impressão; esse aí é pilantra, e tantas outras do gênero?

Tratam-se de frases construídas a partir de uma primeira (supostamente má) impressão que alguém teve de outrem, de observações baseadas em uma convivência à distância ou por comentários de terceiros, sem elementos robustos para formular uma opinião mais concreta e confiável.

Ao longo dos anos, em praticamente todos os lugares em que atuei como profissional da indústria ou da comunicação, ouvi diversas vezes declarações do tipo: confesso que eu não ia muito com a tua cara. Eu tinha medo (ou raiva, ou desconfiança) de ti. Agora, te conhecendo melhor, vi que eu estava enganado (a), sempre seguidas de um sorriso amarelo, como se pedissem desculpas (quando não pediam, de fato).

Foram tantas vezes que ouvi este tipo de comentário, que passei até a me divertir com eles. E também, a estudá-los, considerando a fonte de onde partiam (pessoas que passei a conhecer melhor, posteriormente).

Estudos, teses e pesquisas ligadas ao comportamento humano, comprovaram que, o que vemos (gostando ou não) nos outros, é reflexo de nossa própria personalidade. Por essa razão, existe uma máxima que diz: quer conhecer uma pessoa? Peça a ela para falar sobre alguém.

Basicamente, ao falarmos sobre outra pessoa – especialmente quando os “defeitos” são ressaltados – estamos, na verdade, falando sobre nós mesmos.

Trata-se da projeção psicológica, que atua na mente como uma espécie de mecanismo de defesa, para atribuir a outros, comportamentos, atributos, pensamentos e emoções que não gostamos de ter ou de expressar (consciente ou inconscientemente) em nós mesmos.

Para simplificar: quando não vamos com a cara de alguém, sem um motivo aparente e/ou coerente, estamos projetando nela, o que não gostamos em nós mesmos.

É mais fácil assim, não é? Você não vai se olhar no espelho e torcer a boca em repúdio, porque não aprova sua maneira de ser. É melhor transferir a ojeriza para outra pessoa. Até reduz a ansiedade, já que proporciona uma espécie de alívio ilusório do ainda bem que não sou assim.

Tem gente que até se orgulha: ah, quando o meu santo não bate com o de alguém, é batata.

Existe uma grande armadilha embutida nesta “habilidade”. Geralmente, quando se tem uma certeza absoluta, especialmente sem dados relevantes, a mente se fecha para que a afirmação não seja desmentida jamais, e busca-se elementos – até os mais estapafúrdios – para confirmar as suspeitas.

Ei Ivo, você viu o Bonifácio conversando com o Diretor na hora do almoço? Esse tipo não me engana. Percebi que era um puxa saco logo de cara. Gente assim, eu quero distância.

Naturalmente, algumas de nossas suspeitas podem se confirmar no futuro. Nem todas caem por terra e nos deixam envergonhados, com o rabo entre as pernas.

Entretanto, quantas vezes conhecemos pessoas, pelas quais sentimos afinidade instantânea, que de tão forte, até achamos que acertamos na mega sena da amizade (ou até da paixão, se for o caso) e, mais adiante, aquele anjo gentil e generoso, que perdeu o trem celestial e veio parar na sua vida, se mostra um diabrete mesquinho, egoísta e mentiroso. Tenho certeza que você – ou alguém que você conheça – já passou por essa desagradável experiência.

O importante neste texto é que fique claro o seguinte ponto: Independente da situação – se foi ou não com a cara, se o santo bateu ou não, se simpatizou ou não – não é conveniente formarmos opiniões baseadas em impressões vagas, “achismos” ou fatos isolados.

Todos nós temos experiências de vida, confirmando que dados superficiais e imprecisos, não podem ser fatores predominantes para gostar ou desgostar de quem quer que seja (inclua também os verbos acusar, desmerecer, enaltecer, execrar, adorar, desconfiar, confiar, etc.).

Se até os criminosos mais brutais têm direito à defesa, é correto afirmar que agimos de forma arbitrária quando acusamos, julgamos e condenamos sem piedade.

Imagine quantas pessoas interessantes excluímos de nosso convívio, só por uma impressão ou até por um comentário maldoso oriundo de sabe-se Deus de onde? E para quanta gente nós abrimos a porta de nossas vidas, e sofremos uma baita decepção?

O segredo para não cair neste erro é, dentro das possibilidades, procurar conhecer melhor, independente da impressão inicial ou das observações a distância. Isso quer dizer, obter mais informações, se aproximar (quando possível), conhecer os valores, as opiniões, etc., sem invadir a privacidade do outro, é claro.

Tudo bem, entendo que nem sempre é possível conhecer as pessoas suficientemente, para ter certeza se são ou não dignas de nosso convívio. A sua vizinha simpática, que sempre lhe dá bom dia com sorriso aberto, e lhe oferece deliciosos biscoitinhos caseiros todos os Domingos, pode ser uma psicopata, que se alimenta de sangue de criancinhas, raptadas nas comunidades carentes de sua cidade. Nunca se sabe.

Entretanto, com um pouquinho esforço, boa vontade e coração aberto, é possível evitar uma série de enganos e injustiças.

“Em muitos julgamentos mesquinhos, julgamos a nós mesmos na figura do outro”.  Autor Desconhecido

 

Marco Antonnio Ribeiro

Palestrante, Coach, Escritor, Blogger 

Eu não vou com a sua cara !

Mentes brilhantes

Conheça as características do cérebro de pessoas com altas habilidades cognitivas, os superdotados- Por ERICH CASAGRANDE

 

Texto disponível em: http://dc.clicrbs.com.br/sc/nos/noticia/2016/07/mentes-brilhantes-conheca-as-caracteristicas-do-cerebro-de-pessoas-com-altas-habilidades-cognitivas-os-superdotados-6647719.html.  Acessado em 23/07/2016

 

Felipe Heusi Kossmann adorou Interestelar (Christopher Nolan, 2014). Segundo ele, é um filme que trata das possibilidades do universo de uma forma mais real, sem tanta dramaturgia como em Star Wars, por exemplo. Ele também gostou porque apresenta um assunto que já costuma pesquisar e pelo qual tem grande curiosidade: as teorias gravitacionais, a relatividade e a possibilidade de viajar no tempo. Logo, o gancho da conversa se perde e fica difícil de acompanhar o raciocínio da criança de 11 anos apaixonada por astronomia.

— Fiquei pensando se realmente é possível viajar através de um buraco negro, calcular e trabalhar com a dimensão do tempo de tal modo que possamos ir para o passado e para o futuro. Será que seríamos, então, sempre o resultado de uma ação futura de alguém que já viajou no tempo? — diz em uma conversa casual, que inclui fórmulas e citações de vetores.

Aos 11 anos, Felipe Kossmann dedica-se a estudar a Teoria da RelatividadeFoto: Marco Favero / Agencia RBS

Felipe é considerado uma criança com altas habilidades, condição conhecida popularmente como superdotada. Por enquanto, ele está no Núcleo de Atividades de Altas Habilidades e Superdotação (Naah/S), da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), a única instituição pública de Santa Catarina voltada a esse público. Mas ele sonha um dia em chegar à agência espacial americana, a Nasa.

Assim como Felipe, hoje 60 crianças e adolescentes estudam em atividades de suplementação acadêmica da FCEE para desenvolver melhor as próprias habilidades especiais. Um número pequeno diante da população do Estado, 6 milhões de pessoas. A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que de 3% a 5% da humanidade se encaixa no perfil de superdotação. Porcentagem que pode ser maior segundo a doutora em psicologia educacional em altas habilidades da Universidade de Brasília (UnB) Angela Virgolim.

— Esse dado leva em conta apenas aspectos acadêmicos e desempenho escolar. Se considerarmos todas as formas de altas habilidades como arte, esportes, música, triplicamos o número de pessoas com potencial — explica a pesquisadora.

Felipe chegou ao Naah/S depois que a família e professores perceberam que ele não era apenas nota 10 em todas as matérias no boletim. O pai Leomar Kossmann, subtenente do Exército e formado em sistemas de informações, reparou na intensidade que o filho se concentrava em assuntos que gostava.

— Às vezes, ele se concentra em um objetivo e parece que não volta mais. Não sente fome, sede, nada. Só quer entender aquele tema até o fim — conta Kossmann.

A identificação de que o filho ou o aluno tem uma habilidade acima do normal costuma levar algum tempo. Enquanto isso não acontece, as crianças ficam marcadas como estranhas, chatas, CDFs. Fabiana Fleck, mãe de Gabriel, 14 anos, por exemplo, diz que não conseguia acompanhar o raciocínio do filho em determinadas situações. Além disso, se surpreendia com alguns comportamentos dele, como passar horas envolvido em cálculos de matemática avançada ou quando, aos dois anos, ele preencheu o desenho de um patinho com bolinhas de papel amassadas com tanta perfeição que impressionou os professores.

— Ele começava a me contar um raciocínio. Falava e tentava me explicar o assunto. Ao final, me perguntava: “entendeu mãe?” Eu respondia: “Não, filho” — conta Fabiana.

Apesar dos sinais durante toda a infância, Gabriel só chegou à FCEE quando conquistou a medalha de ouro na Olimpíada Brasileira de Matemática entre alunos de escolas públicas.

Medalha de ouro na Olimpíada Brasileira de Matemática revelou o talento de Gabriel FleckFoto: Diorgenes Pandini / Agencia RBS

Diferentes interesses, foco extremo em uma atividade, aprendizado rápido e perfeccionismo são algumas das características de Gabriel que costumam aparecer em pessoas com altas habilidades. Mas a generalização dessas características e a ideia de que superdotados são gênios que sabem de tudo são os primeiros erros que levam a ignorar mentes com potencial ampliado. Gabriel, por exemplo, já sabia fazer cálculos aos três anos, mas aprendeu a lere escrever apenas aos oito.

— É preciso uma avaliação minuciosa. Não só do que eles sabem, mas do que gostariam de saber. Como aprendem e como gostam de aprender. Há certas matérias em que o aluno é muito bom, mas não gosta e não quer saber melhor — explica a pesquisadora Angela Virgolim, da UnB.

A coordenadora do Naah/S, Andréia Panchiniak, acrescenta que a desinformação sobre o assunto leva pais a inibir o potencial dos filhos porque não querem que eles sejam diferentes.

— Há diversos casos em que a criança é inibida pelos pais para deixar de ler e estudar. Isso porque não querem que seus filhos sejam diferentes — afirma a coordenadora do Naah/S.

As pesquisas sobre a inteligência e a mente de quem tem altas habilidades estão longe de ser conclusivas, apesar dos avanços nas últimas décadas. Segundo Angela, exames neuropsicológicos são usados somente quando há suspeitas de dificuldades, distúrbios de estresse ou emocionais.

— Sabemos que as pessoas de altas habilidades fazem conexões neuronais mais rapidamente. Realizam mais sinapses e têm um desenvolvimento cerebral específico para certas atividades — diz.

A doutora pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Elisabete Castelon Konkiewitz, coautora do livro Altas Habilidades, Inteligência e Criatividade: Uma Visão Multidisciplinar, publicado em 2014, indica que o desempenho do processamento cognitivo associado à inteligência depende da complexidade e eficiência das conexões entre os neurônios.

O mesmo livro também cita sujeitos com altas habilidades que teriam uma rede de neurônios com melhor transferência de informações entre diferentes unidades funcionais. Elisabete aborda ainda a questão genética e a importância das experiências de vida na formação das pessoas.

— São diferentes genes, possivelmente centenas, que causam predisposição para facilitar processos cognitivos. Mas isso tudo só fará sentido conforme as experiências vividas e estímulos. Desde a casa, escola, cuidados dos pais, esportes lazer, alimentação, sono, tudo pode influenciar na inteligência.

Outro problema apontado pelos pesquisadores é a falta de espaço adequado para que essas pessoas desenvolvam o próprio potencial. Uma vez que elas têm oportunidade de se desenvolver, as dificuldades seguem nas exigências para cumprir o currículo de ensino padrão e na aceitação das universidades.

— Diferente de outros países, não conseguimos alocar esses adolescentes em universidades, onde poderiam continuar o desenvolvimentos das suas especialidades. Há muita burocracia e muitas vezes é mais fácil migrar para outro lugar — completa Angela.

Há diversas leis, decretos, pareceres e resoluções na política de ensino nacional e estadual que contemplam alunos com altas habilidades. Desde 1996, a Lei no 9.394 estabelece “aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para superdotados”. Tópico que também está presente na lei estadual no 170 de 1998 sobre o Sistema Estadual de Educação de Santa Catarina.

Por fim, resolução do Conselho Estadual de Educação dispõe que o avanço nos cursos ou séries/anos poderá ocorrer sempre que se constatarem altas habilidades ou apropriação pessoal de conhecimento por parte do aluno igual ou superior a 70% dos conteúdos de todas as disciplinas em que ele estiver matriculado. Mas, na prática, esses processos são muito mais complicados.

— Acontece muito isso e a escola fica insegura de fazer esse processo. Mas a autonomia é da escola, que deve levar o melhor para aluno. Essa falta de conhecimento da legislação dificulta o desenvolvimento dos que estão acima da média — contextualiza a pedagoga Liliam Barcelos.

CINEMA
Filmes com pessoas com Altas Habilidades

O Jogo da Imitação (Morten Tyldum, 2015)
Conta a história real do criptoanalista inglês Alan Turing, considerado o pai da computação moderna. Turing e sua equipe desenvolvem o projeto Ultra para decifrar os códigos de guera nazistas, mas precisam lidar com difíceis decisões sobre quem e quando salvar. O filme ainda retrata a exclusão social vivida por Turing pela sua personalidade e escolhas sexuais.

Prenda-me se For Capaz (Steven Spielberg, 2002)
O filme é baseado em fatos reais e conta a história de Frank Abagnale. Jovem, inteligente, irreverente se passava por diferentes personagens, falsificava documentos e copiava cheques. De um jeito ou outro, sempre conseguia escapar do FBI. Retrata bem como as altas habilidades podem estar relacionadas a diferentes aspectos e como também podem levar para caminhos relacionados ao crime.

Uma mente brilhante (Ron Howard, 2001)
Conta a história de John Nash, um matemático que com sucesso em várias áreas e respeitado na academia. Um dos seus trabalhos mais famosos foi o doutorado em 1950, com a tese sobre os jogos não-cooperativos entre pessoas, que mais tarde seria chamado de Equilíbrio de Nash e é a base da Teoria dos Jogos. Mas o gênio da matemática também precisou resolver outros problemas após ser chamado para trabalhar no governo americano e foi diagnosticado como esquizofrênico.

Gênio Indomável (Morten Tyldum,1997)
Com Matt Damon e Robin Williams no elenco, o filme conta a história de um jovem com altas habilidades para a matemática e com atitudes rebeldes que o levaram a ter passagens pela polícia. Em uma noite de trabalho como faxineiro da universidade resolve um cálculo e acaba por ser descoberta como um gênio da matemática. Mas ele ainda precisa de conselhos de um especialista para evitar mais problemas.

Amadeus (Milos Forman, 1984)
O filme é sobre a loucura do personagem Salieri e sua obsessão com Mozart, ele não consegue entender por que Deus favoreceu Mozart e a inveja o toma. A história traz um pouco de humor, mas o enredo se sustenta no drama do personagem. A genialidade de Wolfgang Amadeus Mozart é bem retratada no filme.

Eu não vou com a sua cara !

Descobrimos um jeito rápido e barato de manipular o DNA humano. Até aonde devemos ir?

Cientistas chineses testarão, em humanos, uma técnica revolucionária de manipulação genética. A Crispr/Cas-9 pode nos ajudar a eliminar males genéticos, curar a aids… ou decidir a cor dos olhos de uma criança

 

Uma representação gráfica do genoma humano - uma nova técnica, a Crispr/Cas-9, permite fazer alterações precisas no código genético dos seres vivos (Foto: Mario Tama / Equipa/ Getty Images)

Houve um tempo, no início dos anos 2000, em que a professora Lygia da Veiga Pereira era figura recorrente no Senado Federal, em Brasília. Àquela altura, Lygia – geneticista e, hoje, líder doLaboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias da Universidade de São Paulo (USP) – estava entre os cientistas brasileiros que assumiram a função de explicar a políticos, sociólogos e a uma infinidade de outros profissionais o que eram e para que serviam as células-tronco embrionárias humanas. Era uma polêmica que quicava pelo mundo desde 1998, quando um grupo de pesquisadores americanos descobrira como obter essas células por meio da destruição de blastocistos – embriões humanos com poucos dias de desenvolvimento, obtidos pela fertilização in vitro e congelados em clínicas especializadas.  A comunidade científica estava empolgada com as possibilidades abertas pelo novo conhecimento. Células-tronco embrionárias são capazes de se transformar em qualquer um dos outros 216 tipos de células do corpo humano – e havia esperanças de que seria possível usá-las paraestudar doenças ainda incuráveis, ou para desenvolver tratamentos para males aflitivos. A necessidade de destruir embriões humanos criava opositores à ideia. Era um daqueles momentos em que o avanço da ciência se chocava contra noções de moralidade, e cabia aos cientistas ajudar o restante da sociedade a decidir como usar o conhecimento novo. Diante das comissões de senadores, Lygia e seus colegas tentavam cumprir esse papel.

O laboratório de Lygia ocupa o canto direito do segundo andar do prédio do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. É uma sala com pé-direito alto e janelas amplas, por onde computadores, livros e toda uma sorte de substâncias em potinhos se espalham de maneira aparentemente confusa. Foi ali que, em 2008, Lygia criou a primeira linhagem brasileira de células-tronco embrionárias. Antes delas, quem quisesse fazer pesquisas na área tinha de encomendar células do exterior: “Eu tive medo de ser apedrejada”, diz Lygia, em tom de caçoada, sentada a sua mesa num começo de tarde calorento de agosto. Não houve retaliação – em 2005, a Lei de Biossegurança estabelecera as regras que cabiam às pesquisas com células-tronco. “Acho que tínhamos informado bem as pessoas”, diz Lygia. “Ou então o pessoal do contra não teve coragem de falar nada.” Depois de muito discutir, a sociedade chegara a um acordo quanto ao que fazer com a ciência, e quais limites eram razoáveis. A clonagem humana, por exemplo, foi vetada, mas a lei permitiu que embriões que não seriam usados em procedimentos de fertilização in vitro poderiam ser doados para estudos.

Hoje, Lygia e seus alunos usam as células-tronco que ela produziu para estudar uma síndrome genética rara chamada síndrome de Marfan. Para fazer isso, precisam alterar o DNA de células saudáveis, para torná-las mutantes com dificuldades para produzir uma proteína chamada fibrilina – justamente a substância que falta a quem sofre de Marfan. Para fazer um corte no DNA das células, e arrancar dali o gene que interessa, Lygia usa uma espécie de tesoura molecular chamada Crispr/ Cas-9. Trata-se de uma técnica nova, que permite aos cientistas alterar o código genético com facilidade e precisão. Trata-se também de um avanço sem precedentes na capacidade humana de manipular o genoma – o próprio e o de outras espécies.

Desde que as primeiras notícias sobre a nova técnica começaram a circular entre os cientistas, em meados de 2012, a Crispr é vista com o entusiasmo e o temor das grandes descobertas. Somos capazes demanipular o genoma desde meados da década de 1970. Mas nunca fomos tão bons nisso quanto somos hoje: “Comecei a estudar Marfan alterando o DNA de ratinhos”, diz Lygia. O processo era feito por uma técnica antiga, chamada recombinação homóloga. Apenas 1% das tentativas de alterar o DNA das células, no máximo, resultavam em sucesso. Hoje, com a Crispr, a taxa de sucesso gira em torno de 30%. Ela também é mais veloz: permite fazer em um mês aquilo que técnicas anteriores fariam em um ano. E é mais barata.

Os cientistas já usaram a Crispr para alterar o DNA de mosquitos – e têm esperanças de que, um dia, a técnica permita eliminar espécies transmissoras de doenças, como o Aedes aegypti. Já usaram-na para mudar o genoma de porcos – e tentar eliminar os genes que causariam rejeição caso órgãos de porcos fossem transplantados em corpos humanos. E, em 2014, mostraram que ela era capaz de alterar células humanas.

No final de julho, cientistas da Universidade de Sichuan, na China, anunciaram que usarão a Crispr para tratar tumores em humanos. Os cientistas chineses, liderados pelo oncologista Lu You, vão extrair células do sistema imunológico de dez voluntários que sofram de câncer de pulmão, e que já não respondem ao tratamento. Em laboratório, os cientistas usarão a Crispr/Cas-9 para inativar um gene que produz a molécula PD-1. A PD-1 é o ponto fraco das células imunológicas – localizada na superfície das células, ela serve de porta de entrada para o tumor, que produz substâncias capazes de invadir a célula e inativá-la. Os cientistas esperam que, ao eliminá-la, as células imunológicas serão capazes de combater a doença – e vencer. Depois de modificadas em laboratório, as células serão reintroduzidas no corpo dos pacientes, como se fossem uma espécie de soro contra uma doença.  A quantidade desse soro a ser administrada varia a cada paciente – de modo que os cientistas poderão estudar qual a eficácia do tratamento e quais os limites de segurança. Espera-se que elas se tornem capazes de curar o tumor e, depois de cumprir essa função, desapareçam no organismo. Os testes em humanos devem começar até o final de agosto. Em maio, cientistas da Universidade da Pensilvania, nos Estados Unidos, anunciaram que farão algo semelhante. Seus experimentos, já aprovados por uma comissão de ética federal americana, deverão começar até o fim do ano – ainda precisam passar pela aprovação de comissões de ética internas das universidades onde os testes deverão acontecer, na Califórnia e no Texas. Nesse caso, a ideia é tratar três diferentes tipos de câncer em 18 pacientes: mieloma, melanoma e sarcoma. Segundo o líder do estudo, o professor Edward Stadtmauer, da Universidade da Pensilvânia, esse primeiro teste deve avaliar se é seguro usar Crispr em humanos – muito mais do que determinar se o tratamento é eficiente ou não. Esses serão os primeiros testes da Crispr em humanos.  Se bem-sucedidos, podem abrir caminho para o uso da técnica no desenvolvimento de terapias para tratar doenças variadas.

Especialistas do mundo todo têm esperanças de que, daqui a não muito tempo, seremos capazes de usar a Crispr para eliminar os genes que tornam nossas células vulneráveis ao vírus HIV e curar aids. Ou tratar a cegueira provocada por mutações. Ou editar o genoma de um embrião humano e eliminar os genes que causam Alzheimer precoce. É nesse ponto que o entusiasmo vira temor. Mudar o genoma de um embrião significa causar alterações que ele, ao crescer, transmitirá a seus descendentes: “Estamos falando de editar o genoma de toda a humanidade”, diz Lygia. E não sabemos como prever os impactos disso. Ou mesmo se devemos levar essa ideia adiante. Sabemos apenas que, daqui a não muito tempo, essa possibilidade existirá. Será mais um daqueles momentos, como no caso das células-tronco, em que o avanço da ciência vai esbarrar em questões morais. E teremos de decidir que usos queremos dar a esses conhecimentos.

A história da Crispr/Cas-9

O desenvolvimento da Crispr envolveu o trabalho de muita gente, mas é uma história geralmente contada pela perspectiva de duas de suas protagonistas: a americana Jennifer Doudna, professora daUniversidade da Califórnia, e a francesa Emmanuelle Charpentier, que hoje dirige o Instituto Max Planck de Biologia da Infecção em Berlim. As duas se encontraram pela primeira vez em 2011, no intervalo de uma conferência sobre microbiologia em Porto Rico. Nenhuma das duas, àquela altura, planejava desenvolver novas formas de manipular o DNA. Doudna, uma bioquímica formada por Harvard, é especialista em RNA – uma molécula complementar ao DNA, e formada por apenas uma fita simples de bases de nitrogênio. Charpentier é microbiologista e, em 2011, tentava desvendar os mecanismos biológicos de uma bactéria chamada Streptococcus pyogenes, um patógeno potencialmente mortal para seres humanos, responsável por doenças como faringite bacteriana e escarlatina. Ambas se dedicavam a um ramo de pesquisas conhecido como ciência básica – aquela que gera conhecimentos sem a ambição de encontrar aplicações práticas imediatas.

Anos antes, cientistas de todo o mundo tinham começado a estudar um sistema de defesa usado por bactérias para se proteger contra ataques de vírus. O DNA das bactérias, como o nosso, é formado por bases de nitrogênio que os cientistas representam por meio de letras: há Cs, Ts, As e Gs.  Quando agrupadas, essas letras são capazes deproduzir proteínas importantes para o funcionamento das células. Ao estudar bactérias de diferentes tipos, os cientistas haviam percebido que, em meio ao DNA bacteriano, havia sequências de bases repetitivas que formavam palíndromos – eram iguais mesmo quando lidas de trás para frente. Elas, aparentemente, não tinham nenhuma função. Não eram responsáveis por atividades dentro da célula, não produziam proteínas. Entre essas sequências repetitivas,batizadas de Crispr, havia fragmentos de material genético viral. Eram vestígios de antigas infecções sofridas pelas bactérias e serviam como uma espécie de memória imunológica – caso um vírus tentasse invadir a célula, aqueles fragmentos ajudavam a bactéria a reconhecer o invasor e combatê-lo.

As Streptococcus pyogenes estudadas por Charpentier contavam com esse mecanismo, e faziam sua defesa contra o vírus usando uma enzima que ela batizara de Csn1 – mais tarde rebatizada como Cas-9. Em Porto Rico, Charpentier falou a Doudna sobre como, com ajuda da Cas-9, suas bactérias eram capazes de localizar trechos específicos do material genético de vírus invasores e cortá-los no ponto desejado. Ela queria ajuda para estudar esse processo. Doudna se interessou.

Em junho do ano seguinte, Doudna e Charpentier publicaram um artigo na revista científica Science, descrevendo como haviam dominado aquele sistema de defesa bacteriano. Elas descobriram que podiam emulá-lo em laboratório para cortar DNA. Para isso, bastava criar uma molécula chamada RNA guia, capaz de reconhecer trechos específicos de DNA. Esse RNA guia deve ser associado a Cas-9, que funciona como uma espécie de tesoura. Com esse conjunto, os cientistas são capazes de cortar genes defeituosos para inativá-los. Ou mesmo substituir genes com mutações deletérias por versões saudáveis.

Como a Crispr funciona (Foto: Redação Época)

 

Doudna e Charpentier mostraram isso ao editar DNA em um tubo de ensaio. Seu artigo despertou uma corrida para determinar quem seria o primeiro a fazer o mesmo em células de organismos vivos – de plantas, mamíferos e humanos. Em janeiro de 2013, o professor Feng Zhang, do MIT, publicou um artigo na Science mostrando que era capaz de usar Crispr para alterar células humanas. Doudna e Charpentier fariam o mesmo algumas semanas depois. As duas equipes entraram em rota de colisão, ambas disputando a paternidade da nova técnica. A briga precipitou uma guerra pela patente da Crispr/Cas-9 entre a Universidade da Califórnia e o MIT, duas das maiores universidades do mundo.

As expectativas em relação à Crispr são tão altas que já há empresas privadas criadas com o objetivo de usá-la con fins terapêuticos – uma aplicação que só agora começa a ser testada, de maneira controlada, em universidades. Em 2015, a revista Science elegeu a Crispr o principal avanço científico daquele ano. Doudna e Charpentier receberam o prêmio das mãos da atriz Cameron Diaz, em uma cerimônia que misturava a elite da ciência a astros de Hollywood. Métodos de edição gênica do passado já foram agraciados com o prêmio Nobel – e espera-se que, dentro em breve, Doudna e Charpentier recebam o seu.

Quais os limites aceitáveis?

A Crispr pode ter elevado Doudna à elite científica global, mas também a colocou em um posição desconfortável. “Há cerca de 20 meses, eu comecei a ter problemas para dormir”, escreveu ela em dezembro passado em um artigo na revista Nature. Desde que publicou aquele artigo em 2012, Doudna se vê forçada a participar de discussões éticas com as quais ela – que passou a vida trabalhando com moléculas, e não com células vivas – não tinha familiaridade. Seu medo, compartilhado por cientistas em outras partes do mundo, é de que a técnica seja um dia usada para alterar o DNA de embriões viáveis – uma ambição para a qual a ciência e a sociedade ainda não estão suficientemente maduras: “Meu maior medo é acordar e ler notícias sobre o nascimento do ‘primeiro bebê Crispr’”, disse Doudna durante uma entrevista à Science.

Esse é um temor tão antigo quanto nossa capacidade de fazer alterações genômicas. Em 1975, um grupo de cientistas de diferentes áreas se reuniu na Califórnia, no Centro de Convenções Asilomar, para discutir as implicações do uso do DNA recombinante – a primeira técnica desenvolvida para alter o código genético de seres vivos. O DNA recombinante permitia aos cientistas misturar genes de diferentes espécies para criar organismos geneticamente modificados. A eficácia dessa técnica empalidece quando comparada aos métodos disponíveis atualmente para fazer o mesmo. Mesmo assim, desde então, persiste o receio de que, um dia, algum cientista experimente provocar alterações genéticas em humanos, capazes de se propagar pelos descendentes desse indivíduo. Os cientistas em Asilomar chegaram ao consenso de que não deveríamos alterar embriões humanos, nem tampouco óvulos ou espermatozoides. Pelo menos não antes de conhecermos – e controlarmos – todas as possíveis consequências.

Em dezembro de 2015, Doudna ajudou a reunir cientistas dos Estados Unidos, da Europa e da China em uma nova conferência em Washington, para discutir os limites cabíveis à Crispr. Em abril daquele ano, pesquisadores chineses haviam usado a Crispr/Cas-9 para editar embriões humanos não viáveis. A técnica não tinha sido suficientemente refinada para essa tarefa e resultou em alterações indesejadas. O caso ajudou os cientistas em Washington a apoiar que experimentos com a Crispr não sejam realizados em embriões viáveis pelos próximos anos. Para evitar que erros genéticos se propaguem. Experiências em embriões não viáveis estão autorizadas em alguns países, como na China e no Reino Unido.

Esse tipo de cautela, em parte, é uma forma de a ciência admitir as próprias limitações. Apesar de eficiente ao cortar e colar genes, a ciência moderna ainda não conhece perfeitamente as funções de cada segmento do genoma humano. Há genes que codificam mais de uma proteína e executam funções ainda pouco entendidas; há partes do DNA que, até pouco tempo, pensávamos não ter função alguma – e que, hoje sabemos, são importantes para o bom funcionamento da célula. Usar a Crispr para alterar trechos dessa sequência delicada pode resultar em consequências inesperadas. Na tentativa de curar um mal genético, os cientistas podem provocar danos ainda maiores. Além disso, há casos em que a Crispr erra o alvo – tentativas de alterar um gene resultam em alterações em vários outros.

Desde o primeiro artigo de 2012, a Crispr evoluiu. Ainda precisa ser aperfeiçoada. Tudo indica que será: “As ferramentas de modificação genética estão ficando cada vez mais robustas”, diz Lygia da Veiga Pereira, que pesquisa células-tronco na USP. “Talvez, um dia, esse temor de que o tiro saia pela culatra não exista mais. E aí, o que vamos querer fazer?” Quando a ciência tiver se desenvolvido a esse ponto, quando o método for a prova de erros e entendermos melhor o próprio genoma, surgirá um novo problema – como definir quais alterações são razoáveis e quais jamais devem ser feitas? “Para a maioria das pessoas, pode parecer fácil dizer que devemos autorizar a edição genômica em embriões humanos para prevenir doenças, mas que não devemos fazer o mesmo para determinar a cor dos olhos e a altura”, diz Eduardo Seclen, pesquisador do departamento de microbiologia da Universidade do Sul da Califórnia. Seclen usa a Crispr para estudar formas de desenvolver terapias contra o HIV. “O problema é que existem áreas cinzentas. O que fazer, por exemplo, no caso em que uma criança morrerá vítima de um defeito genético a menos que os cientistas ajudem a conceber um irmão saudável para realizar um transplante?” É um dilema digno da ficção. A conclusão virá de uma conversa difícil entre a comunidade científica e o restante da sociedade. Do mesmo tipo que já tivemos de travar no passado, quando a sociedade decidiu que era razoável conceber crianças por fertilização in vitro. Ou quando permitiu a utilização de células-tronco embrionárias humanas em pesquisas.

No laboratório de Lygia, é a bióloga Juliana Borsoi que se encarrega de monitorar as células-tronco modificadas pela Crispr. Às vezes, Juliana fala do próprio experimento como quem conta histórias sobre uma pessoa. Diz que as células têm de ser mantidas em ambiente esterilizado, “porque elas não gostam muito de receber antibióticos”. E que precisam ser observadas com cuidado, porque se reproduz muito rapidamente. Juliana e Lygia usaram a Crispr para apagar dessas células o gene responsável por produzir a proteína fibrilina. Seu objetivo, com isso, não é criar uma terapia contra a síndrome de Marfan. Ao menos, não de início. O que elas querem, com a Crispr, é entender como o corpo funciona. “Esse é o roteiro usual da biologia molecular”, diz Juliana, enquanto observa suas células ao microscópio – pontinhos negros agrupados em um círculo. “Você exclui um gene para ver o que acontece. Para tentar determinar qual a função dele na célula.” Apesar do receio de que a Crispr seja usada para desenhar bebês perfeitos – que talvez carreguem alterações genéticas perigosas – a técnica serve hoje como uma ferramenta de investigação. Ajuda os cientistas a entender melhor como funciona o mundo, mesmo que esse conhecimento não gere consequências imediatas. É uma aplicação nobre, e ainda distante dos possíveis usos polêmicos que a técnica pode ter. Os embriões geneticamente modificados continuam, por enquanto, reservados para um futuro que se aproxima veloz. Por ora, podemos adiar as conversas complicadas.

RAFAEL CISCATI

Eu não vou com a sua cara !

Sistema imunológico controla nossas interações sociais

Sociabilidade imunológica

Em uma descoberta surpreendente, que levanta questões fundamentais sobre o comportamento humano, pesquisadores da Universidade da Virgínia (EUA) revelaram que o sistema imunológico afeta diretamente – e até mesmo controla – o comportamento social, incluindo o desejo de interagir com os outros.

sistema-imunologico-comportamento-1A eliminação da molécula produzida pelo sistema imunológico torna hiperativas algumas partes do cérebro e diminui a sociabilidade. [Imagem: Anita Impagliazzo/UVA Health System]

 

 

 

 

Assim, será que problemas no sistema imunológico poderiam contribuir para uma incapacidade de ter interações sociais normais?

A resposta parece ser sim, algo com implicações significativas para a psicologia e a psiquiatria, além de doenças neurológicas graves, como o Transtorno do Espectro do Autismo e a esquizofrenia.

“Os cientistas acreditavam que o cérebro e o sistema imunológico adaptativo fossem isolados um do outro, e pensavam que qualquer atividade imune no cérebro seria sinal de uma patologia. Agora, nós não apenas estamos mostrando que eles estão interagindo intimamente, como alguns dos nossos traços de comportamento podem ter evoluído por causa da nossa resposta imunológica a patógenos,” explicou o professor Jonathan Kipnis.

Da imunidade à sociabilidade

A equipe descobriu que uma molécula imune específica, o interferon gama, parece ser crítica para o comportamento social e que uma variedade de animais – eles estudaram moscas-da-fruta, peixes-zebra, camundongos e ratos – ativam respostas de interferon gama quando estão socializando.

Normalmente esta molécula é produzida pelo sistema imunológico em resposta a bactérias, vírus ou parasitas.

O bloqueio do interferon gama nos camundongos, feito utilizando manipulação genética, fez com que algumas regiões do cérebro se tornassem hiperativas, tornando os animais menos sociáveis. Bastou restaurar a molécula para que a conectividade do cérebro e o comportamento voltassem ao normal.

“É uma loucura, mas talvez nós sejamos meramente campos de batalha multicelulares para duas forças ancestrais: os patógenos e o sistema imunológico. Parte da nossa personalidade pode realmente ser ditada pelo sistema imunológico,” concluiu Kipnis.

Os resultados foram publicados na revista Nature.

Redação do Diário da Saúde

Eu não vou com a sua cara !

Os efeitos da tecnologia sobre o comportamento humano

pokemon-go-cell-phone-driving

Febre mundial, o jogo Pokémon Go chegou na semana passada ao Brasil. Como um dos aplicativos mais baixados, tem movimentado milhões de dólares em produtos associados e em marketing ligados ao produto.

A discussão acerca do jogo, do ponto de vista psicológico, vai além de saber se é adequado ou não, se retira as pessoas de suas casas para caminharem, se as colocam num ambiente de competitividade.

A questão a ser pensada é: “como estamos saindo de casa”? Tal jogo nos coloca ou não em uma posição de dependência? Neste momento, pensamos na dependência tecnológica que tem sido amplamente estudada pela psicologia e psiquiatria e envolve o indivíduo que deixa de fazer suas atividades do cotidiano, preferindo a interação com meios digitais.

Um dos segredos de tanto sucesso nesse jogo é a forma como ele premia o jogador: este reforço, aplicado às ações do jogo, faz com que o jogador sinta-se cada vez mais motivado a jogar. O que na psicologia é chamado de reforço intermitente é uma forma de recompensar o jogador em diversos tempos.

Isto faz com que o jogador fique em alerta o tempo todo e ative o jogo com frequência, pois, seu objetivo é ganhar as recompensas, que somadas à tecnologia de realidade aumentada, trazem uma sensação de “vida” ao jogo e aos jogadores envolvidos.

Como o jogo leva as pessoas para fora de suas casas em busca de “pontos”, muitos o consideram uma oportunidade de relacionamento social, pois novas amizades surgem entre os jogadores. Ao pensarmos assim o jogo parece algo bastante interessante. Porém, o efeito social causado, que provoca nas crianças, nos jovens e até em adultos o desejo de integração ao grupo, obriga a pessoa a estar ligada ao jogo, sob pena de ser excluída.

Quando direcionadas e bem utilizadas, como na cura de fobias, de casos de estresse pós-traumático, na movimentação de crianças hospitalizadas, a realidade aumentada (tecnologia usada no Pokémon Go), somada à realidade virtual, traz benefícios ao indivíduo.

O que fará diferença neste esquema de reforçamento tão poderoso é o autocontrole, pois o vício se instala naqueles que não conseguem manter o controle da hora de parar. Quando falamos de crianças, há a possibilidade de controle dos pais, o que não acontece com adultos.

O interesse pelo jogo é tão grande, que empresas já estão se posicionando quanto à proibição do uso nos ambientes corporativos. Em algumas, a punição chega à demissão por justa causa para aqueles que estiverem jogando.

Como toda febre, ela tende a cessar e, com isto, reduzir o número de jogadores. Porém, até que isto ocorra, fica a reflexão para a forma como crianças, adolescentes e adultos têm usado este e outros aplicativos ou recursos virtuais, bem como a observação de limites de segurança para não ficar exposto a riscos na busca dos pontos.

Além do exagero, que leva a relatos de acidentes, também é importante considerar os quadros ansiosos, visto que, naqueles que não conseguem o autocontrole, estabelece-se uma nova dependência, como outros tantos vícios.

Elaine Ribeiro, psicóloga clínica.

Eu não vou com a sua cara !

Viver reclamando da vida pode fazer muito mal ao cérebro

As reclamações constantes fazem o cérebro encurtar e propagar os pensamentos negativos

reclamar-1
(Foto: divulgação)
Sabe aquelas pessoas que vivem reclamando da vida? Elas nem imaginam que isso pode afetar e prejudicar o cérebro. Quem assegura isso é o cientista e filósofo Steven Parton, que publicou um estudo no Curious Apes, afirmando que esses pensamentos negativos e reclamações afetam o organismo muito mais do que se pode imaginar.
Isso acontece porque quando o indivíduo reclama em demasia, uma sinapse que é responsável por transmitir informações de uma célula para outra no cérebro, faz uma espécie de “ponte” com outra sinapse, e nessa ponte que passa a informação negativa.
Ou seja, quanto mais a pessoa reclama da vida, mais o cérebro vai encurtar e facilitar que esse tipo de pensamento se propague. “O problema é que o ‘reclamão’ passa a ser desmotivada e sempre para baixo”, ressalta Parton.
“Se você está sempre reclamando e menospreza o seu próprio poder sobre a realidade, você não pensa que tem o poder de mudar. E assim, você nunca vai mudar“, finaliza o cientista.

Eu não vou com a sua cara !

21 Livros recomendados

Listas são sempre provisórias, substituíveis, incompletas e idiossincráticas. E, claro, são feitas para serem contestadas, refutadas e ampliadas. Leitores costumam dizer: “Falta acrescentar a obra ‘x’” ou “é absurdo ignorar a obra ‘y’”. Estão cobertos de razão. Relacionar livros, ainda mais “só” 21, é uma forma de provocar polêmica. Minha escolha, desta vez, menciona mais livros publicados recentemente e alguns que, embora importantes, não figuram nos cânones oficiais — caso da prosa de William Kennedy (autor de excelentes romances do chamado ciclo de Albany) e Elizabeth Bowden (deixei de lado William Trevor, irlandês do balacobaco). Por favor: não dê “Harry Potter” para seus pais. Pais, sabem os bons filhos, não são recicladores de lixo. Se quer presenteá-los com literatura infantil ou infanto-juvenil, então optem por Monteiro Lobato, Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Lygia Bojunga e José Lins do Rego (que adoro). Mark Twain permanece moderníssimo.

livro_imp0006Histórias Secretas — Os Bastidores dos 40 Anos de Playboy no Brasil — vários autores

A censura impediu que a “Playboy” nascesse com este título, então a Editora Abril optou por “Revista do Homem”, em 1975. Em 1978, em tempos mais abertos, passou a ser “Playboy”. Chegou a vender, com a capa da “Feiticeira”, Joana Prado, 1,25 milhão de exemplares. Mas uma publicação como “Playboy” não conta tudo em suas páginas. O livro resgata histórias interessantes contadas por Carlos Costa, Carlos Maranhão, Edson Aran, Humberto Werneck, J. R. Duran, Marcos Emílio Gomes, Nirlando Beirão, Ricardo Setti, Ruy Castro, Thales Guaracy, entre outros. Panda Books, 255 páginas.

 

livro_imp0007Hotel Florida — Verdade, Amor e Morte na Guerra Civil Espanhola — Amanda Vaill

Trata-se da Guerra Civil Espanhola contada a partir de como atuaram três casais da área jornalística: Hemingway e Martha Gellhorn, Robert Capa e Gerda Taro, e Arturo Barea e Ilsa Kulcsar. A batalha na terra de Cervantes “tornou-se uma espécie de ponto de ignição histórica”, mas o livro “não é”, sustenta a autora, “uma história da” luta. Ao contrário do que diz Amanda Vaill, é. Não é, porém, uma história tradicional. É uma grande e bela narrativa. Além dos seis personagens citados, outros grandes nomes são mencionados, como os decentes John Dos Passos e George Orwell. Objetiva, 493 páginas, tradução de Ivo Korytowski.

livro_imp0002Entre a Lagoa e o Mar —Reminiscências Fernando Pedreira

Fernando Pedreira, ex-diretor de redação do “Estadão” e um de seus principais articulistas, chama suas memórias de “reminiscências”. Na verdade, são memórias mesmo. Sobretudo, além das grandes histórias que conta — até as micros histórias familiares são interessantes —, o texto é delicioso, lembrando tanto o francês Proust quanto o brasileiro Pedro Nava. Entremeando histórias de sua família com as do país, do jornalismo e da política, o jornalista mostra-se um escritor de primeira linha. “O Estado de S. Paulo” fez uma resenha anódina. Entendi o motivo ao ler o livro: Ruy Mesquita, um dos condestáveis do jornal, não é muito bem apresentado. É uma obra de imaginação de um repórter atento aos fatos. Imperdível até nas idiossincrasias. Detalhe: o goiano Domingos Velasco foi companheiro de jornadas políticas do pai do jornalista. Bem-Te-Vi, 409 páginas.

Por Dentro da Casa BrancaPor Dentro da Casa Branca As Histórias Privadas da Residência Mais Famosa do Mundo — Kate Andersen Brower

O maior adversário de Trump não é Hillary Clinton — é um pato, sim, o Donald. Mas, se não trata do “pato”, o livro conta as histórias não oficiais de como se vive na Casa Branca. Pura bisbilhotice? Por vezes, sim. No geral, as histórias são de interesse geral. A jornalista entrevistou quem trabalha com e para os presidentes. O resultado é mais humano do que sensacionalista (e nós sabemos que certo sensacionalismo é o sal da vida). Há glamour, e a obra não o destrói, mas há também crises devastadoras, inclusive no plano pessoal. Ao saber do caso de Bill Clinton com Monica Levinsky, Hillary saiu do sério (embora o ex-presidente bonitão seja um mulherengo inveterado). Planeta, 335 páginas, tradução de Marcelo Levy.

livro_imp0005Fascismo de Esquerda: A História Secreta do Esquerdismo Americano” — Jonah Goldberg

O leitor brasileiro de esquerda ou de centro-esquerda por certo acredita que o republicano cada vez mais “putativo” Donald Trump é a desgraça da Humanidade, ou ao menos dos Estados Unidos, e Hillary Clinton é a embaixadora de Deus na Terra ou, ao menos, nos Estados Unidos. Pois Jonah Goldberg, editor da “National Review” e ex-redator da “New Yorker”, apresenta nuances raramente vistas nos tristes trópicos (a Globo News só falta pedir ao papa Francisco para canonizar a durona mulher de Bill Clinton). O autor assinala: “Ela é uma figura representativa, o membro mais importante de uma coorte generacional [seria geracional?] de liberais de elite que (inconscientemente, é claro) trouxeram temas fascistas para o liberalismo predominante. Especificamente, ela e sua coorte incorporam o lado maternal do fascismo — e essa é uma das razões de ele não ser reconhecido como tal. (…) Hillary e seus amigos” são “os mais importantes proponentes e exemplares do fascismo liberal de nosso tempo”. Para saber mais, só lendo o livro. Então, mãos à obra, se a cortina das ilusões deixar. Record, 545 páginas, tradução de Maria Lucia de Oliveira.

livro_imp0003Os Cantos de Maldoror — Lautréamont

Ninguém fez tanto pela obra de Lautréamont (o uruguaio Isidore Ducasse, 1846-1870) no Brasil quando o poeta Claudio Willer, que traduziu e explicou sua obra e vida com rara excelência (vide “Os Cantos de Maldoror”, Iluminuras, 352 páginas). Trata-se de um trabalho, amoroso e competente, incontornável. Mas vale ler a tradução de Joaquim Brasil Fontes. No prefácio, um ensaio, Raul Antelo anota: “Cortázar é, em muitos pontos, herdeiro efetivo de Lautréamont, como quando, em seu conto ‘O outro céu”, o céu do outro mundo, ou mesmo em ‘O Jogo da Amarelinha’, faz bascular o mundo do cá e o mundo do lá”. Vale uma zapeada, de preferência lendo as duas traduções. Unicamp, 323 páginas.

A Morte do CoracaoA Morte no Coração — Elizabeth Bowen

A irlandesa Elizabeth Bowen é uma escritora notável, mas tem rivais (verdadeiros muros de Berlim), se se pode dizer assim, de primeira linha, como George Eliot, Virginia Woolf, Iris Murdoch, Muriel Spark e Edna O’Brien. Resulta que é pouca conhecida no Brasil. Vale a pena ler uma prosadora (também crítica) de qualidade, mas ignorada pelos cânones. “A Morte do Coração” é um romance notável (a edição é portuguesa; no Brasil, há o romance “Eva Trout”). Conta a história da jovem Portia Quayle, e sua inadequação à vida, ou à hipocrisia da vida em sociedade. Trecho: “As ilusões são uma forma de arte e é a arte que nos faz viver. Afinal, é à emoção que nós guardamos fidelidade; é assim que conseguimos recriá-la noutro lugar”. Era admirada por la Woolf. Livros do Brasil, 371 páginas, tradução de Isabel Braga.

Audie MurphyAudie Murphy — De Soldado Norte-Americano Mais Condecorado na Segunda Guerra a Astro de Hollywood — David A. Smith

Leitores apaixonados pela história da Segunda Guerra Mundial e pelo cinema vão esbaldar-se com esta biografia do soldado e ator Audie Murphy. Militar notável, voltou dos campos de batalha arrasado, com “‘transtorno de estresse pós-traumático’, do qual sofria de modo devastador”. O “distúrbio o afetaria pelo resto da vida” (viveu apenas 45 anos). O historiador Max Hastings disse que o herói de guerra era “uma confusão psicológica de dimensões épicas”. Mesmo em crise, conquistou o mundo do cinema com extrema rapidez. Tornou-se uma “celebridade instantânea” e fez vários filmes, muitos de faroeste. Grua, 221 páginas, tradução de Adriana de Oliveira.

Tu es PedroTu És Pedro — Uma Biografia de Pedro Ludovico Teixeira — Hélio Rocha

O jornalista Hélio Rocha lança as bases, quem sabe, para uma biografia exaustiva do político Pedro Ludovico, que, quando interventor em Goiás, fundou Goiânia — a cidade que, mais tarde, serviu, guardadas as proporções, de modelo para Brasília — e modernizou o Estado. Bem escrito e pesquisado, o livro apresenta os dados básicos e interpretações pertinentes sobre o maior político da história do Estado. É precisa e não é laudatória. Kelps, 571 páginas.

 

livro_imp0004Lava Jato — O Juiz Sergio Moro e os Bastidores da Operação Que Abalou o Brasil — Vladimir Netto

De cara, digo logo: é, disparado, o melhor livro sobre a Operação Lava Jato — os demais são perfumes do Paraguai, o maior Estado “chinês” da América Latina. O leitor dirá, como eu, ao iniciar a leitura: “Orra, meu! Se a Lava Jato não foi concluída, como é que um repórter pode pretender apresentar um livro praticamente ‘conclusivo’?” Mas não: o autor não pretende apresentar a versão definitiva, porque, de fato, não é possível — a Lava Jato, como os romances de Joseph Conrad, vai de vento em popa (seria na popa?). Mas o que Vladimir Netto mostra, com fartura de dados, é que, ao contrário do pessimismo geral (cansado do juveniilismo, tornei-me um velhiceticista), a operação, mesmo não concluída, já deu certo. Há condenados, há presos e alguns dos criminosos devolveram milhões ao Erário. Caso raríssimo. Record, 383 páginas.

Ironweed William KennedyIronweed — William Kennedy

William Kennedy, que deveria ser nobelizável, é autor de uma série de romances excepcionais — o chamado “ciclo de Albany”. Os livros podem ser lidos de maneira independente, mas ganha o leitor que puder ler a sequência de romances, que começou como trilogia e se tornou ciclo. O autor inspira-se em Faulkner para levar personagens de um para outros romances, desenvolvendo os personagens que às vezes são apenas enunciados numa das obras. “Ironweed” (a tradução da Francisco Alves prefere “Vernônia”) é inescapável, até porque rendeu um Pulitzer ao autor e, adaptado por Hector Babenco, tornou-se um filme de sucesso, com Meryl Steep e Jack Nicholson. Na contracapa, o escritor Marçal Aquino comete um erro: “Ironweed” não é o segundo romance do ciclo de Albany — é o terceiro. Os primeiros são “A Lenda de Legs” e “O Grande Jogo de Billy Phelan”. Saul Bellow era o principal “avalista” de sua literatura, também admirada por Harold Bloom e Jonathan Franzen. Cosac Naify, 268 páginas, tradução (precisa) de Sergio Flakman.

46288359A Guerra Não Tem Rosto de Mulher — Svetlana Aleksiévitch

A ucraniana (que se considera bielorrussa) Svetlana Aleksiévitch é um fenômeno (ia escrevendo “raro”, mas talvez seja redundante). Faz jornalismo como se fosse escritora, narra histórias como os grandes historiadores franceses (George Duby e Jacques le Goff). O que faz é o seguinte: colhe histórias do povo, dando escassa atenção às vozes das autoridades, e publica-as em capítulos. São histórias orais matizadas pela qualidade literária e jornalística da autora. A guerra é, em larga medida, uma atividade masculina — daí ignorar-se a participação das mulheres. No caso da União Soviética, as mulheres participaram ativamente — e sofreram muito, de várias formas. É o que mostra a obra de Svetlana, pela voz das próprias mulheres. Mas não se trata de obra feminista, esclareça-se logo e de uma vez. Companhia das Letras, 390 páginas, tradução de Cecília Rosas.

Vidas Lutas e SonhosVidas, Lutas e Sonhos — Tarzan de Castro

Com quase 80 anos, Tarzan de Castro é um homem de extrema lucidez. Ao escrever suas memórias, dos tempos em que era comunista, poderia ter apresentado uma interpretação ufanista ou ajustes de contas triunfalistas com a história e ex-aliados. Pelo contrário, escreveu um livro sereno e, sim, divertido. Não renega suas lutas e as de seus companheiros, mas não é um contador de “vantagens” e tampouco avalia que a compreensão da história da esquerda, entre as décadas de 1960 e 1970, era precisa — o caminho e a fé. É um balanço crítico, mas não de renegado. Tudo indica que ainda parece acreditar em socialismo, desde que democrático, o que, a certos ouvidos — ao meu, por exemplo — soa como uma contradição. Socialismo e democracia são incompatíveis, entendendo-se que a socialdemocracia, que seria uma experiência próxima do tal “socialismo democrático”, é vista como uma experiência capitalista (um contraponto do capitalismo ao socialismo, por assim dizer). Kelps, 357 páginas.

A Grande Aventura dos Jesuitas no Brasil- Tiago CordeiroA Grande Aventura dos Jesuítas no Brasil — Tiago Cordeiro

O papa argentino Francisco, muito mais notável que Messi e Maradona juntos, é jesuíta, uma das ordens católicas mais disciplinadas (e educadoras), de uma racionalidade impressionante para religiosos (a religião não é necessariamente avessa à razão). O livro (que não trata do atual papa), vazado numa linguagem simples, com certo brilho, relata como atuaram os jesuítas no Brasil — de maneira meritória, por vezes. Manoel da Nóbrega, José de Anchieta e o gigante Antônio Vieira são alguns dos jesuítas mapeados pela obra, que merecia ser um pouco mais espichada e detalhada. Planeta, 239 páginas.

Uma Visita Guiada ao Ulysses de James JoyceUma Visita Guiada ao Ulysses de James Joyce — Caetano Galindo

A prosa de James Joyce é para profissionais? Sua literatura é mesmo complexa, mas pode ser lida e entendida, sobretudo se o leitor buscar guias seguros, como Richard Ellmann (autor de uma biografia extraordinária do irlandês), Anthony Burgess e, mais recentemente, Caetano W. Galindo. Este, mais do que um tradutor consagrado da prosa enviesada (os bons escritores raramente são muito claros, mesmo quando precisos) do autor de “Ulysses”, é excelente explicador de suas complicações, que, analisadas de maneira didática (sem a chatice do didatismo), se não tornam ainda mais luminosas. Engana-se quem pensa que, para entender Joyce, é preciso simplificá-lo ou banalizá-lo. Caetano Galindo torna-o mais simples, compreensível, sem deixar de anotar sua complexidade. Companhia das Letras, 375 páginas.

livro_imp0008O Irlandês — Os Crimes de Frank Sheeran — Charles Brandt

Há livros muito bons sobre a máfia. O de Charles Brandt é um deles e, por isso, se tornará filme de Martin Scorsese, com Robert de Niro, Al Pacino, Joe Pesci e Harvey Keitel — sem dúvida, um quinteto de primeira linha. A obra conta a história de Frank “O Irlandês” Sheeran, implacável pistoleiro da máfia, e Jimmy Hoffa. Sheeran e Hoffa eram amigos, mas, instigado pelo poderoso chefão Russell “McGee” Bufalino, o pistoleiro participou da conspiração para matar o líder dos caminhoneiros. O sindicalista começou a dizer que “iria varrer a Máfia do sindicato”. Mas “foi o próprio Jimmy quem trouxe a assim chamada Máfia para o sindicato, franqueando-lhe acesso ao fundo de pensão”. Seoman, 310 páginas, tradução de Drago.

Capa Humilhado V2 DS.aiHumilhado — Como a Era da Internet Mudou o Julgamento Público — Jon Ronson

As redes sociais são excelentes meios de comunicação. As pessoas podem tanto obter quanto produzir informações. Muitos problemas são resolvidos — ou ao menos discutidos — a partir de discussões do Facebook e do Twitter. Mas há um problema que as redes, ambiente anárquico, dificilmente vão resolver, porque os indivíduos estão no comando, libertados de tudo ou quase tudo: o chamado bullying digital. As redes são livres e, portanto, as pessoas podem dizer o que querem e por isso algumas começam a ser penalizadas judicialmente. Jon Ronson mostra como é fácil destruir a reputação e a vida de pessoas e como é difícil restaurar a imagem daquelas que foram destroçadas. Best Seller, 304 páginas, tradução de Mariana Kohnert.

tenentesTenentes — A Guerra Civil Brasileira — Pedro Dória

Pedro Dória é um jornalista que escreve sobre a história brasileira sem fazer gracinhas e sem a sisudez de certos pesquisadores. É um narrador (um autêntico prosador) dos melhores. Os tenentes começaram suas guerras antes de 1930, mas chegaram ao poder com Getúlio Vargas, com a Revolução de 30. Depois, voltando da guerra e aliando-se aos que ficaram no Brasil, derrubaram o ditador-chefe do Estado Novo. O sucessor de Vargas foi o general Eurico Gaspar Dutra, paradoxalmente apoiado pelo Velho gaúcho. Em seguida, os tenentes (ou parte deles) — o tenentismo —, açulados em parte pela vivandeira Carlos Lacerda, atacaram Juscelino Kubitschek e ficaram satisfeitos ma non tropo com o “uísquezofrênico” Jânio Quadros. Em 1964, derrubaram o novo Vargas, João Goulart, e finalmente chegaram ao poder para deixá-lo 21 anos. Record, 252 páginas.

Trópicos UtópicosTrópicos Utópicos — Uma Perspectiva Brasileira da Crise Civilizatória — Eduardo Giannetti

Para compreender o Brasil, país mais complexo do que parece, é preciso ler “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, “Formação do Brasil Contemporâneo”, de Caio Prado Júnior, “Formação Econômica do Brasil”, de Celso Furtado, “Os Donos do Poder”, de Raymundo Faoro, e “O Povo Brasileiro”, de Darcy Ribeiro. São bíblias incontornáveis — o que não quer dizer que contêm a verdade totalizante sobre o país. O mais recente livro do economista-filósofo Eduardo Giannetti, embora menos pretensioso do que os demais, inscreve-se entre as obras que pensam o Brasil. Uma de suas conclusões é: o país deu mais certo do que errado. O que não é o mesmo que dizer que deu inteiramente certo (algum país deu?). Companhia das Letras, 216 páginas.

livro_imp0001

A Detração — Breve Ensaio Sobre o Maldizer — Leandro Karnal

Falar mal é, possivelmente, a maior arte humana, se arte é. Falar mal de maneira orgânica, articulada, é uma arte, por vezes, refinada. O professor de história da Unicamp escreve um opúsculo interessantíssimo, diria Mário de Andrade, no qual diz que “a detração não é, necessariamente, uma mentira. Pode ser verdadeira ou falsa. O que marca a detração é a intenção de atacar, de diminuir, de jogar lama no alvo do meu veneno. (…) Falar e ouvir o mal é uma delícia; desde que não sejamos o alvo. Essa é a espécie à qual pertencemos”. Unisinos, 102 páginas.

 

A Baronesa do JazzA Baronesa do Jazz — A Vida de Nica, a Rothschild Rebelde — Hannah Rothschild

Nica Rothschild deixou a família bilionária — marido e filhos (na verdade, não os abandonou) — para se tornar uma filantropa do jazz. “Um dia, em 1951, sem aviso, ela abriu mão de tudo e foi morar para Nova Iorque [mantenho o texto da edição portuguesa, a que tenho em mãos], trocando os amigos de classe alta por um grupo de brilhantes músicos negros itinerantes”. A música “Round Midnight”, de Thelonious Monk, despertou-a para o jazz. No mundo do jazz, era conhecida, mas sua história só se tornou pública, de maneira ampla, com o livro de sua parente Hannah Rothschild. Objetiva, 264 páginas.

Eu não vou com a sua cara !

Chia, quinoa, goji berry: eles são mesmo ‘super alimentos’?

QuinoacopyrightTHINKSTOCK
A quinoa perde algumas propriedades ao ser lavada antes doc consumo

Da perda de peso até a prevenção do câncer, a lista de efeitos associados aos chamados “super alimentos” em blogs e artigos na internet é impressionante.

Mas será que esses resultados são baseados na realidade? É justamente isso que um artigo na revista New Scientist, especializada em ciências, tenta responder na edição desta semana.

O termo “super alimento” é usado para descrever produtos muito ricos em nutrientes e considerados especialmente benéficos para a saúde. Não se trata, no entanto, de uma definição científica, mas de uma nomenclatura mais bem empregada para fins comerciais.

Em 2007, a União Europeia proibiu o uso do termo em embalagens de alimentos, a não ser que houvesse uma referência a uma propriedade específica fundamentada em estudos de qualidade.

Independentemente disso, a paixão pelos super alimentos segue ganhando adeptos.

Segundo a New Scientist, em uma pesquisa recente feita no Reino Unido com mil pessoas, 61% admitiram ter comprado produtos por considerá-los como “super alimentos”. A publicação britânica decidiu, portanto, investigar que tipo de prova científica existe sobre os benefícios de alguns dos mais populares.

Uma dica? “Os super alimentos são um truque mercadológico”, disse à revista a nutricionista Duane Mellor, da Universidade de Canberra, na Austrália.

A BBC Brasil preparou uma seleção de alguns dos super alimentos investigados pela New Scientist.

Goji BerrycopyrightTHINKSTOCK
Há poucos estudos sobre os benefícios reais das goji berries

1. GOJI BERRY

Os frutos vêm de uma planta originária da China, onde são utilizadas na medicina tradicional, que considera que eles fortalecem o sistema imunológico, estimulam a libido e protegem contra doenças cardiovasculares e câncer.

A New Scientist ressalta, no entanto, que não podemos esquecer que a medicina chinesa também valoriza o pó dos chifres de rinocerontes.

A verdade é que há poucos estudos sobre as propriedades das goji berries. A maioria das pesquisas existentes se baseiam apenas em um dos componentes dos frutos, os chamados Polissacarídeos do Lycium barbarum (PLB).

“Mas há razões para ser cético”, diz a revista britânica. “Poucos estudos definem exatamente o que são os PLB e não há pesquisas mostrando os efeitos em seres humanos”.

Outra afirmação em torno da goji berry é a de que elas contêm altos níveis de zeaxantina, um pigmento relacionado à prevenção de doenças degenerativas da visão associadas à velhice.

“Outros alimentos têm o mesmo efeito e são mais baratos. Se quer consumir zeaxantina, pode encontrá-la no espinafre, repolho ou pimentões amarelos”, disse Catherine Collins, nutricionista do Hospital St. George, em Londres.

Sobre a vitamina C, as goji berries contêm níveis mais elevados que os mirtilos, mas é possível obter a mesma quantidade em limões ou morangos.

Veredito: simplesmente um fruto.

 

QuinoacopyrightAFP
Ainda não se sabe muito sobre as propriedades da quinoa

2. QUINOA

Alguns estudos já mostraram que substituir cereais por quinoa pode ajudar a reduzir o colesterol e ajudar na perda de peso.

Mas, segundo a New Scientist, o número de participantes nesses estudos é tão reduzido que não é possível extrair conclusões sólidas.

Uma das pesquisas, por exemplo, foi conduzida pelo departamento de nutrição da Universidade de São Paulo com apenas 35 mulheres.

Os benefícios da quinoa citados acima são atribuídos a substâncias chamadas saponinas, que atuariam na alteração da permeabilidade do intestino.

Mas ao lavar a quinoa antes do consumo, como se costuma fazer, as saponinas são eliminadas, junto com seus benefícios.

O nutricionista Thomas Simnadis, da Universidade e Wollongong, na Austrália, disse à New Scientist que não sabemos muito sobre as propriedades da quinoa.

Veredito: coma se você gosta, mas não pelos benefícios para a saúde.

 

MirtilocopyrightTHINKSTOCK
As provas são ‘promissoras’ sobre os benefícios do consumo de mirtilos.

3. MIRTILOS

Os mirtilos são frequentemente apreciados pela capacidade de reduzir o risco de doenças cardiovasculares.

Um estudo do departamento de nutrição da Universidade de East Anglia de 2012, feito com 93 mil mulheres, mostrou que as participantes que consumiram três ou mais porções de mirtilos e frutas por semana corriam 32% menos riscos de sofrer um ataque cardíaco do que aquelas que ingeriram essas frutas apenas uma vez ao mês.

Segundo a New Scientist, as “provas são promissoras”.

Esses benefícios podem ser atribuídos a compostos chamados de antocianinas, da família dos flavonóides.

De acordo com Gordon McDougall, do Instituto James Hutton, em Dundee, no Reino Unido, apenas uma proporção pequena destes compostos entra na corrente sanguínea.

Não se sabe se são outras substâncias, produtos da decomposição de antocianinas que carregam os benefícios ou se antocianinas atuam melhor no escossistema de micróbios no nosso intestino.

Veredito: super, mas não melhor que outras frutas.

 

ChocolatecopyrightTHINKSTOCK
O chocolate amargo têm propriedades benéficas, mas quase sempre é misturado a muito açúcar e gordura

4. CHOCOLATE AMARGO

O benefício potencial mais citado do chocolate se relaciona aos chamados flavonóis, compostos encontrados no cacau.

Estudos em colônias celulares e em roedores já mostraram que os flavonóis do cacau aumentam a produção de ácido nítrico, um precursor do óxido nítrico, que regula a pressão sanguínea.

Mas a New Scientist ressalta que os estudos em humanos encontraram resultados contraditórios.

Uma revisão de vários estudos realizada em 2012 por cientistas australianos concluiu que o chocolate rico em flavonóis, o mais escuro e amargo, pode reduzir ligeiramente a pressão, pelo menos no curto prazo.

Mas é necessário realizar mais estudos para determinar se esse impacto é duradouro.

E os efeitos promissores devem ser equilibrados com o fato de que a maiorira dos fabricantes mistura o cacau a grandes quantidades de açúcares e gorduras.

Veredito: tudo bem consumir ocasionalmente, mas não se justifica ingeri-lo em grandes quantidades pelos potenciais benefícios.

Sementes de chia
A semente de chia é uma fonte de ômega 3.

5. SEMENTES DE CHIA

Os maias usavam as sementes de chia para fazer desde farinha até chá. É um dos super alimentos que mais está na moda e é possível afirmar que é uma grande fonte de ômega 3, os ácidos graxos que, acredita-se, reduzem o risco de doenças cardiovasculares e depressão.

Cada cem gramas de sementes de chia contêm aproximadamente 17 gramas de ômega 3. Uma porção de salmão do Atlântico, por exemplo, carrega cerca de 2,2 gramas da substância.

Mas diferentemente do salmão, ao ácidos graxos das sementes de chia estão em forma de ácido alfalinolênico (ALA) que o organismo conv erte em outros ácidos: o ácido icosapentaenóico (EPA) e o ácido docosahexaenóico (DHA) para obter benefícios cardiovasculares.

E esta conversão tem uma eficiência de apenas 10%, portanto a quantidade de EPA e DHA para cada 100 gramas de chia é de 1,7 grama – menor que o caso do salmão.

Para obter ácidos graxos ômega 3, recomenda-se moer as sementes.

Veredito: boas, mas alguns pescados são mais ricos em ácidos graxos ômega 3.

Eu não vou com a sua cara !

Cientistas descobrem mecanismo que “desliga” o sono e nos permite acordar

No estudo participou o investigador português Diogo Pimentel, da Universidade de Oxford

sono

Um grupo de cientistas identificou o mecanismo que desliga os neurônios com a função do sono e permite acordar, disse esta quinta-feira um investigador português que participou no estudo.

Neste estudo identificamos o mecanismo pelo qual a dopamina atua nestes neurônios de forma a desligar a função do sono e acordarmos“, avançou à agência Lusa Diogo Pimentel, da Universidade de Oxford.

Os resultados da investigação, publicados na Nature, integram a descrição de dois mecanismos distintos “para a dopamina acordar, um num espaço de tempo relativamente curto, se alguém acordar com um ruído forte, [situação em que] vê o que se passa” e volta a adormecer imediatamente, outra quando é necessário acordar e manter-se acordado por um período de tempo mais longo.

“Ai entra a identificação da proteína ‘sandman’ [o equivalente ao João Pestana em português] que descrevemos e que cria uma interrupção do sono mais ou menos permanente [o que] leva [à situação] de estarmos acordados de uma forma mais persistente”, relatou Diogo Pimentel.

A função deste gene estudada pelo grupo liderado por Gero Miesenböck, através de moscas, era desconhecida, referiu, mas a partir de agora sabe-se que “tem a função de desligar os neurônios que comandam o sono”.

É uma proteína ou canal iônico e se o retirarmos das células que comandam o sono as moscas passam a dormir mais de 20 horas por dia”, resumiu Diogo Pimentel.

O investigador português da área das neurociências apontou que um mecanismo ainda não identificado faria o reverso.

“Durante o dia, quando estamos acordados, alguma coisa faz voltar a ativar estes neurónios e podermos voltar a dormir”, explicou.

Assim, “se conseguirmos descobrir agora quais os sinais internos no cérebro que voltam a reverter este processo, estamos um passo mais perto de descobrir porque é que precisamos de dormir”, apontou o cientista.

O ponto de partida para este trabalho foi perceber a necessidade de dormir todas as noites, levando as pessoas a passar um terço da vida a dormir.

Há um custo enorme, custa-nos o tempo, estamos desligados do mundo exterior, estamos vulneráveis, mas o motivo pelo qual precisamos de dormir continua um mistério, é aliás, um dos grandes mistérios das neurociências”, disse ainda Diogo Pimentel.

O sono é regulado através de dois mecanismo independentes, o sistema circadiano, através do qual o corpo se sincroniza com o ritmo do dia e da noite, predispondo-se a estar acordado com a luz e a dormir com a escuridão, e o sistema homeostático, sensível à atividade desenvolvida durante o dia e ao momento em que é necessário descansar.

Eu não vou com a sua cara !

A maratona para pôr fim à má nutrição no mundo

Como corredor entusiasmado que sou, estou muito animado de estar no Rio de Janeiro esta semana para o início dos Jogos Olímpicos de 2016. Mas não estou aqui para aproveitar o clima que lembra o do Carnaval ou para torcer para o meu país, a Etiópia.

fome

 

Na verdade, estou participando de outro grande evento que acontece no Rio. Na véspera da Cerimônia de Abertura, líderes globais se reuniram na Casa Brasil para o evento Nutrição para o Crescimento (Nutrition for Growth – N4G) – um momento chave e uma oportunidade importante para ajudar a resolver um problema do tamanho de uma Olimpíada: a má-nutrição infantil.

Estou particularmente empolgado em participar de um evento organizado pelo governo do Brasil, pois este é um país que melhorou significativamente seus indicadores de segurança alimentar e nutrição nas últimas décadas. A experiência brasileira mostra que compromissos políticos de longo prazo podem se transformar em resultados reais.

Os índices de atraso no crescimento infantil foram reduzidos de 19% para 7% entre 1989 e 2007, enquanto a taxa de aleitamento materno exclusivo entre bebês abaixo dos seis meses de vida pulou de 2% em 1986 para 39% em 2006.

Com todos os países alinhados em torno de metas globais ambiciosas – incluindo o objetivo de acabar com todas as formas de má-nutrição até 2030 – o que podemos aprender com o Brasil para alcançar resultados globais?

O recém-lançado Relatório Mundial sobre Nutrição 2016 detalha bem o compromisso político do Brasil em nutrição, mas há algumas razões específicas para o sucesso do país nesta área. Elas incluem o aumento de renda das famílias mais pobres, pressões de movimentos sociais da sociedade civil para acabar com a fome, mecanismos para coordenar planos e atividades de diferentes departamentos de governo, o uso de dados e de evidência científica para direcionar esforços e a criação de uma legislação que protege a população contra o marketing dos substitutos do leite materno.

Muitos países do mundo agora têm planos para melhorar seus indicadores de nutrição – e alguns deles inclusive se espelham na experiência brasileira. Mas ainda estamos muito longe de atingirmos nossas metas coletivas.

Mais de metade das seis milhões de mortes anuais entre crianças com menos de cinco anos de idade são causadas por uma alimentação deficiente; uma em cada quatro crianças com menos de cinco anos no mundo apresenta atraso de crescimento – o que tem implicações para seu desenvolvimento psicológico e cognitivo – e uma em cada nove pessoas no mundo ainda passa fome.

Sabemos que investir em nutrição dá resultado. Cada dólar investido em programas que já se provaram efetivos gera 16 dólares de retorno financeiro. Mesmo assim, ainda se gasta pouco nesta área.

No evento Nutrição para o Crescimento (Nutrition for Growth), que acontece hoje no Rio de Janeiro, o Brasil será o anfitrião e receberá representantes de governos, organizações internacionais e da sociedade civil.

Esse encontro serve como o ponto de partida para uma segunda fase da iniciativa Nutrição para o Crescimento, na qual serão firmados novos e sólidos compromissos políticos e financeiros em nutrição e que culminará com uma cúpula global a ser realizada em 2017.

Um maior investimento em nutrição é urgentemente necessário se quisermos ampliar as ações para alcançar os objetivos estabelecidos no combate à fome e efetivamente conseguir avanços capazes de salvar vidas e melhorar economias.

A organização que eu represento, a Visão Mundial, fez um compromisso financeiro na primeira edição do Nutrição para o Crescimento, em Londres em 2013, evento que foi organizado pelos governos do Reino Unido e Brasil.

Na ocasião, nos comprometemos a gastar quase 1,2 bilhões de dólares em intervenções específicas na área de nutrição, como suplementações de micronutrientes, programas de amamentação e políticas de combate à subnutrição severa. Essas ações também englobam componentes de nutrição em nossos programas de agricultura e de desenvolvimento econômico.

Nossas experiências ao redor do mundo alimentam a nossa convicção de que nós podemos e temos o dever de trabalhar por um mundo livre da fome e da má nutrição.

Estamos investindo em programas como o “Clube de Nutrição” no Vietnã, que conecta famílias a oportunidades relacionadas a nutrição, saúde, agricultura e meios de subsistência. Até agora o programa já foi estendido para 1.250 vilas em áreas rurais e montanhosas de 12 províncias.

Estamos ajudando a melhorar indicadores nutricionais em alguns dos lugares de mais difícil acesso do mundo. Em 2015, a Visão Mundial trabalhou com ministérios da Saúde de 12 países, incluindo Afeganistão e Paquistão, para tratar mais de 150 mil crianças com menos de cinco anos que corriam risco de morte por subnutrição severa. Durante o mesmo período, levamos programas de alimentação suplementar a cerca de 60 mil grávidas e mulheres em período de aleitamento em sete países.

Além disso, estamos preparando a próxima geração do movimento social no Brasil com o objetivo de empoderar crianças e jovens. No Brasil, isso significa apoiar uma iniciativa chamada MJPOP (Monitoramento Jovem de Políticas Públicas) que prepara jovens para liderar processos políticos em suas comunidades. Eles são treinados para identificar problemas e trabalhar junto com moradores locais.

O objetivo é avaliar a disponibilidade e qualidade dos serviços e preparar um plano de ação em conjunto com o governo e outros atores sociais. O trabalho do MJPOP, que reúne mais de mil adolescentes e jovens de 30 cidades no país, já gerou impactos nas áreas de saúde e nutrição, educação, proteção infantil e saneamento básico.

A multidão presente no Rio esta semana nos mostra que milhares de pessoas são necessárias para realizar um evento como as Olimpíadas. Os Jogos Olímpicos seriam um fracasso se, por exemplo, os atletas, ou responsáveis pela construção dos estádios, ou ainda membros do governo municipal se recusassem a colaborar. A mesma coisa vale para o esforço de pôr um fim à fome e à má nutrição.

Eu espero e rezo para que, sob a liderança do Brasil, os governos e outros atores envolvidos aproveitem a oportunidade de ouro do evento Nutrição para o Crescimento e a cúpula global que acontecerá em 2017 para dar passos largos nesta maratona tão necessária para acabar com a má nutrição e construir um mundo livre da fome.

* Dr. Mesfin Teklu é o Vice Presidente de Saúde e Nutrição da Visão Mundial Internacional. Ele tem mais de 20 anos de experiência nas áreas de saúde pública, nutrição e assistência humanitária.

google-site-verification: googlee73cd655be624699.html